Por Levi Guimarães
Eu sempre gostei de esporte e sempre soube o básico sobre a história de Jesse Owens. Se você gosta de esporte, espero que já tenha ouvido falar dele. Mas se não ouviu, leia ao menos um resumo de seu maior feito: em 1936, atleta negro dos Estados Unidos vai às Olimpíadas de Berlim com a pretensão de ganhar três medalhas de ouro. Com Hitler nas tribunas, esperando ver a demonstração viva da superioridade ariana, Owens supera as próprias expectativas e vence nas provas dos 100 metros rasos, 200 metros rasos, 4 x 100 metros rasos e salto em distância.
É fácil admirar uma história dessas, mesmo resumida em poucas linhas. E eu admirei desde a primeira vez que li sobre ela, provavelmente em algum momento entre os dez e os quinze anos. Mas, desde então, cada detalhe a mais que descubro sobre Owens aumenta essa admiração. Ele podia ter sido simplesmente o cara certo na hora certa, o símbolo perfeito que os EUA precisavam para combater a propaganda hitlerista. Mas soube ser mais que isso, e esse texto é sobre isso.
Abre parênteses.
Ao entrar na faculdade de jornalismo, dez anos atrás, foi uma surpresa saber que a Associação Atlética Acadêmica, que eu defenderia por alguns anos, chamava-se justamente Jesse Owens. Isso aumentou ainda mais o interesse pelos feitos dele e o orgulho em vestir as cores daquela instituição. Foram anos fundamentais na minha vida, que gosto de resumir com uma frase do próprio: “Amizades nascidas no esporte são o verdadeiro ouro da competição. Medalhas enferrujam, amigos não acumulam poeira”. Pode parecer piegas. E daí?
Fecha parênteses.
Como eu já disse, Owens poderia ser usado como símbolo de uma suposta vitória americana sobre Hitler. E foi. A mídia estadunidense, claro, aproveitou a história ao máximo. Ele mesmo, com Justiça, se orgulhou do próprio feito. Mas não deixou de levantar outras questões polêmicas por estar na confortável posição de mito. Para isso, até “inocentou” o ditador nazista por não tê-lo cumprimentado após as vitórias.
“Apesar de não ter sido convidado para cumprimentar Hitler, também não fui convidado à Casa Branca para apertar a mão do presidente”, afirmou, tentando escancarar que seu próprio país não era exatamente uma democracia, ainda mergulhado em conflitos pelas desigualdades raciais. Sobre o tema, ele daria declarações ainda mais duras: “Quando voltei para o meu país, depois de todas as histórias sobre Hitler, eu não podia me sentar na parte da frente do ônibus, tinha que entrar pela porta de trás. E não podia morar onde eu quisesse”.

Owens e Long
Outro episódio que demonstra a preferência pela justiça está no reconhecimento público à ajuda recebida do alemão Lutz Long também nos Jogos de 1936. Owens fez questão de revelar que um conselho do rival foi fundamental para que ele se classificasse à final do salto em distância, quando, mais tranquilo, bateu o recorde mundial e conquistou o ouro.
Após as Olimpíadas, a vida de Owens não foi tão fácil. Como não conseguia um emprego – fato que ele sempre atribuiu ao racismo da época –, ele tentou ganhar dinheiro com o esporte, quando o profissionalismo ainda era quase uma utopia. Por isso, acabou proibido de competir. Ainda assim, seguiu lutando pelo que acreditava. Até 1980, quando morreu, ele se envolveu em inúmeras iniciativas de inclusão social de jovens, a maioria, evidente, ligada ao esporte.
Jesse Owens dizia que uma vida de treinos era resumida em 10 segundos. Mas, ainda que ele seja lembrado principalmente pelos curtos momentos que lhe renderam quatro medalhas de ouro em 1936, sua vida nas décadas que vieram foram ainda mais admiráveis. Ele soube, enfim, viver na prática todas aquelas coisas bonitas que ouvimos sobre o que importa no esporte. E que, infelizmente, está cada vez mais raro de se ver.
Pra completar, o cara ainda era um grande frasista. Por isso, ele mesmo encerra esse texto homenagem:
“As batalhas que contam não são aquelas por medalhas de ouro. As lutas dentro de você mesmo – as invisíveis e inevitáveis batalhas dentro de todos nós – são as que importam”.
Levi Guimarães, 27 anos, trabalha com jornalismo esportivo desde 2003. Passou por veículos como TV Gazeta, Yahoo! e Rede Globo. Entre 2009 e 2010 foi correspondente na África do Sul, cobrindo os preparativos para a Copa do Mundo pela Rádio Jovem Pan e pelo portal iG.
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