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  • Entrevista com Fernando Portugal

    23/08/2012 por Beatriz Nantes em Notícias, Personagens, Rugby / Sem comentários

    Leia a íntegra da entrevista com Fernando Portugal, capitão da seleção brasileira de rugby sevens.

    Você conheceu o rugby levado por um amigo, sem saber nada sobre jogo. Como foi esse começo?
    Já tinha tido um primeiro contato, mas só fui lembrar disso depois de muito tempo que jogava. Na 6a série, uns meninos estavam falando de jogar rugby na escola, que era como futebol americano. Fui jogar e levei umas pancadas, não quis mais e fui jogar futebol. Eu jogava tudo na escola, futebol, vôlei… Anos depois, a convite de um amigo, que falou que eu era grandão e ia me dar bem, eu fui em um treino. Pesquisei um pouco, vi que o pessoal do time da cidade [São José] viajava direto para fora do país, porque eles eram da seleção juvenil. Fui e treinei sem entender nada, nunca tinha visto um jogo na vida. Mas o ambiente é muito amistoso, então todo mundo quer que você fique, todos te tratam bem. Falaram que eu levava jeito e eu fiquei.

    Você começou a jogar no São José. É um dos times mais tradicionais do país?
    Não é dos mais tradicionais, mas na última década, no iníco dos anos 2000, se tornou a grande potência do rugby do Brasil. Começou no ITA [Instituto de Tecnologia e Aeronáutica], só para os alunos. Depois alguns meninos começaram a jogar, mas era muito fraco. Tinha uns apaixonados e aficcionados, eu fiz parte disso, mas não era tradicional. O Niterói, Spac, que é o mais tradicional, o Rio Branco, o Bandeirantes, todos são mais que o São José. É que ele está na crista da onda hoje em dia, porque faz um trabalho melhor.

    Eram esses clubes que alimentavam a seleção, ou não tinha seleção brasileira antes?
    Tinha sim. Se não me engano, a primeira Seleção foi em 1964; aliás um dos melhores resultados da Seleção foi em 1964, que era formada só por estrangeiros, ingleses, franceses que moravam aqui no Brasil. Tem até um menino aqui no Bandeirantes que fez um TCC sobre isso, a história do rugby no Brasil. A década de 90 foi bem obscura para a Seleção, participou de um Sulamericano em 1989 e não foi bem, perdeu do Paraguai em 1989. Em 1995 participou de uma eliminatória e jogou contra Trinidad e Tobago, perdeu muito feio, e ai a Seleção foi esquecida, não treinava, não participava de torneio. Até que em 2000 formaram um Sulamericano B, com Colômbia, Venezuela, Peru e Brasil. Foi aqui em São Paulo e o Brasil foi campeão. Assim começou um movimento novo na seleção, de trabalhar constantemente, jogar todos os anos o Sulamericano.

    Você é capitão da seleção brasileira de Sevens. Os jogadores da seleção de Sevens participam da seleção de XV também? Qual a diferença?
    Eu sou capitão do Sevens e jogo no XV também. O que muda basicamente  é o número de jogadores em campo, e o campo é o mesmo. Então muda completamente a dinâmica de jogo, no XV tem muito menos espaço, é mais congestionado, e o que tem só tem sete, no mesmo campo, tem muito mais espaço, com mais velocidade. Isso muda a característica dos jogadores. No XV tem jogadores com mais força, mais peso, para o contato com adversário, para captar a bola nas disputas, nas faltas. Têm também os jogadores que vão se aproveitar dos espaços no campo, que é onde eu jogo. Esses também podem jogar o sevens, que tem essa característica.

    As Olimpíadas vão mudar muita coisa para o rugby. A primeira participação nos Jogos Pan-americanos, ano passado, também mudou algo?
    Demais. Já fez diferença quando saiu a notícia que o rugby tinha entrado nos Jogos Olímpicos. Muita gente, apaixonada pelo rugby, que tinha deixado o esporte para fazer outra coisa começou a reservar um tempo a mais pra trabalhar com rugby, imaginando que poderia virar um meio de vida, tanto no meio da gestão, como para treinador. Na comunidade do rugby, todo mundo começou a trabalhar com mais seriedade, imaginando que isso poderia virar uma profissão. E o mercado começou a olhar com outros olhos. É um esporte que tem investimento muito barato no início, e que tem visibilidade boa. Depois do PAN, saímos em um monte de jornal, quem investiu no rugby apareceu. A Topper é um caso desses, que não investiu quase nada no começo e teve um retorno de marca violento. Eu converso muito com eles porque sou patrocinado, e eles falam que quando uma empresa dessas patrocina alguém, quer retorrno de venda de material deles. Isso não acontece tanto com o rugby, até vende camisa da seleção, mas o maior retorno é de marca, de imagem. Tinha outras que começaram a acreditar, a Heineken já investia muito no rugby fora do Brasil, e passou a investir aqui também. Há três anos não tinha perspectiva, jogavam os apaixonados mesmo. Hoje já tem gente que pensa profissionalmente.

    Como vai ser a parceira anunciada com o Crusaders?
    Essa é uma parceria com uma província da Nova Zelândia. O time Crusaders é bem vencedor, e eles sabem muito de rugby. Fazendo uma analogia, é como se fosse a Nova Zelândia  de futebol fazendo uma parceria com a Federação Paulista, e ela mandasse o São Paulo Futebol Clube para lá. Foi isso que a Confederação Brasileira de Rugby fez. Os trabalhos já se iniciaram.O treinador Darryn Collins já chegou e está trabalhando, primeiro faremos o trabalho físico. Tem umas metas bem ambiciosas.

    É focado só no alto rendimento ou tem algo para a  base?
    É  bem focado no alto rendimento, mas vão trabalhar com seleção juvenil, que é abaixo de 18 anos. Tem a preocupação de formar atletas e preparar os treinadores também, porque não adianta chegar aqui, eles treinarem os atletas e depois quando forem embora não tem ninguém para continuar o trabalho. Está sendo bem completo.

    Que metas são essas? Em muitas modalidades não dá para formar um atleta em um ciclo olímpico de quatro anos, como é para vocês, o que esperam das Olimpíadas de 2016?
    É estranho. A gente vê as outras modalidades reclamando que estão nas Olimpíadas e não tem estrutura, reclamando do pouco que tem. E a gente está comemorando o pouco que a gente tem. Porque realmente vivíamos em um cenário de escuridão completa. Não tinha saída. A coisa mudou, o esporte vai crescer muito nesses próximo anos.

    Tem os dois lados, toda repercussão de fazer parte, de crescer, desenvolver, das crianças começarem a jogar, e o lado competitivo, de como a Seleção vai chegar lá. Competitivamente, é nível olímpico, em qualquer modalidade é o extremo da capacidade esportiva. O que a gente tem de experiência do Sevens, é que tirando um grupo seleto, uma Nova Zelândia, que tem um nível muito bom, pode ter surpresas. O sevens é um jogo muito rápido, e a experiência que temos depois que conseguimos trabalhar mais sério é que dá para ganhar do melhor, mas dá para perder do pior. É um jogo bem ingrato, acaba muito rápido e às vezes não tem chances das ações. A gente ganhou da Argentina assim. Eles não perdiam há 80 anos num Sul-americano, aproveitamos uma única  oportunidade, o jogo ficou truncado, foi passando e acabou. Então pode ser que a gente tenha surpresa com relação a quem ganhe medalha. Na Copa do Mundo passada, os favoritos eram Nova Zelância, Fiji e África do Sul, que vinham jogando o Circuito Mundial e arrebentando. E na final, quem chegou foi País de Gales e Argentina. País de Gales é forte no Sevens, mas não tem tanta tradição de ser um grande campeão. Isso mostra como pode ser uma Olimpíada da modalidade. O Brasil, com o trabalho que vai fazer, acho que dá para competir legal. Mas são doze seleções, é um grupo muito seleto.

    Vocês vão participar de alguma etapa do Circuito Mundial de Sevens?
    A gente participou de uma etapa, de Las Vegas, na temporada 2011/2012. Participamos porque ficamos em terceiro no Sulamericano de 2011, e dava direito a participar em Las Vegas. Esse ano as coisas mudaram, não são mais doze seleções fixas e quatro convidados, Canadá, Espanha e Portugal entraram, só vai ter um convidado por etapa. E a gente não foi bem no Sul-americano desse ano. Pela lei, a gente não vai jogar nenhuma etapa do 2012/2013, a menos que politicamente a coisa mude. Por exemplo, em Hong Kong, são 20 seleções, pode ser que a gente ganhe um convite porque vai ser sede das Olimpíadas.

    O que tem até 2016 para se prepararem?
    Ano que vem tem o Sulamericano, que vai valer vaga para a Copa do Mundo do mesmo ano, na Rússia. Esse é um ponto chave para o nosso desenvolvimento, e para o crédito que a gente vai ter para bater na porta do IRB depois e mostrar que temos que entrar no circuito. A gente precisa jogar a Copa do Mundo, então temos que ir bem no Sul-americano. Imaginando que a Argentina, que já tem vaga garantida, vá para a final, a gente tem que ir para a final com eles, e ai conseguimos a vaga, que é essencial. Vai ser em fevereiro do ano que vem. Dentro do programa da Nova Zelândia, tem também um mês que vamos passar lá para treinar com eles e jogar torneios da região, de novembro a dezembro. A temporada de Sevens é no verão, tem bastante torneio internacional que não é especificamente de seleções, mas é de alto nível. Ano passado jogamos dois torneios assim, na Inglaterra. O nível foi altíssimo. Podemos usar isso, mas ainda nao está no calendário. Depois desse tempo lá, tem ainda os torneios da América do Sul. Punta Del este, Mar Del Plata, Viña Del mar, Pinamar, que vão fazer parte da preparação para o Sul-americano.

    E aqui no Brasil tem o Brasil Sevens.
    Isso. Até ano retrasado era o Circuito de sevens. Eram cinco etapas, uma em cada região, que a gente ia participando e somava pontos para ver o campeão. Ano passado eles mudaram para um dia, em São Paulo. A ideia era fazer algo bem grande, bem organizado, para passar na TV. Tanto que o Sportv transmitiu, e esse ano vai ser o mesmo. Os estados vão ter que fazer um circuito ou torneio, que vão selecionar esquipes para jogar o Brasil Sevens.

    Você acha esse formato bom?
    Sim, cria-se um produto muito mais vendável. Com um único torneio, eles conseguem arrumar um lugar legal, conseguem algo com a televisão. E também obriga as federações a se organizarem, criarem eventos para os times, se não ficava só a confederação fazendo tudo, é legal que elas se organizem também.

    O que você está achando do projeto de disseminar o rugby no Brasil, da Confederação e dos patrocinadores? Acha que está dando certo?
    Tem muita gente falando. O mundo mudou muito, está mais fácil agora com as redes sociais, milhões de pessoas veem. Até o entendimento do jogo está mais fácil hoje em dia. Dei muito treino para universitário, antes eles vinham jogar e era dificil dar treino, eles nunca tinham visto os jogos, não entendiam a dinâmica, assim como eu quando comecei. Hoje em dia é mais fácil, você entra no youtube e tem um monte de jogo de rugby. A divulgação é mais fácil. Na TV falta um pouco, principalmente nos canais abertos. Mas no a cabo já temos bastante, já tem público que nunca jogou e que é fã de rugby. Eu tenho um trabalho legal nas redes sociais, recebo muitas mensagens de gente falando que nunca jogou, mas agora assiste sempre na ESPN, BandSports. Mas falta um canal aberto dar uma chance pro rugby.

    Acha que universitários tem um papel nessa disseminação e no crescimento do rugby aqui?
    Muito! Eles são os consumidores do rugby. Primeiro que eles tem potencial aquisitivo grande, são todos universitários. São eles que vão ver o jogo, que vão ter a TV por assinatura, que vão comprar os produtos. Durante muito tempo em São Paulo, aliás, durante a década de 2000 inteira, no final dos anos 90, trabalhou-se pouco com as categorias de base, talvez mais o Pasteur, que conseguiu se beneficiar disso. Hoje tem um time de meninos que jogam há seis, sete anos. Mas outros clubes não. Rio Branco, Spac, Bandeirantes não trabalharam a base. E na década de 2000, o que manteve esses times foram os universitários. Se você for no Rio Branco e perguntar quantos vieram do universitário, são muitos, aqui no Bandeirantes também. Eles tiveram essa grande importância de manter os clubes. A gente tinha o Alphaville que era super tradcional no Brasil, campeão da década de 80, que faliu, não tinha base e ninguém manteve. Vários outros clubes correram o risco e não acabaram pelos universitários.

    Mas entrando no lado mais competitivo, é dificil. Um menino que começou a jogar com 20 anos não vai dar conta de chegar ao nível mais competitivo, a uma exigência de seleção brasileira, por isso trabalhar a base. Mas os universitário são os grandes consumidores, são apaixonados e vivem o grande espírito do rugby. Nessa coisa de transformar o rugby em profissional, ele perde um pouco daquelas características amadoras. Ainda fala-se muito no terceiro tempo, mas não é mais regado a tanta bebida, porque os jogadores começam a pensar no lado competitivo. E os universitários mantém esse valor do grupo, as festas, as brincadeiras, os treinos são energizantes, eles conseguem manter esse espírito do rugby.

    O que é esse espírito do rugby?
    É uma tradição do esporte, de como ele foi formado e como quiseram manter. Tem uma filosofia muito legal de respeito, hierarquia. Imagina um esporte que tem todos os valores do esporte coletivo, união, trabalho em equipe, mas com uma filosofia do judô, que é completo em termos de educação. E isso se manteve assim com os anos. Eu imagino que, por exemplo, o futebol, também teve esse início, os dois eram assim, mas o rugby seguiu uma corrente muito mais filosófica. Tanto que segurou o profissionalismo até a década de 1990, ninguém podia receber pra jogar. Enquanto o futebol já lá atrás os jogadores recebiam.

    No rugby não. Havia uma corrente de dirigentes, organizadores, jogadores, que não queria profissionalismo para não perder o lado amador. Esse lado se caracteriza muito no terceiro tempo, onde acaba o jogo e o time da casa recebe o visitante e dá comida, bebida, como forma de agradecimento pelo jogo. No rugby a gente entende que sem o adversário não tem como jogar. Se o jogo é a parte mais divertida de todo trabalho duro, sem o adversário não tem jogo, então o terceiro tempo é um agradecimento por isso, e também pelo adversário ir na sua casa jogar com você, ter viajado até lá. Isso mostra os valores do rugby. E você nao imagina isso no futebol né, um Palmeiras e Corinthians irem fazer um terceiro tempo.

    Como é a rotina de treinamentos?
    Como não é profissional, as pessoas tem que se virar, ter outras atividades. O treino de campo é terça e quinta, e às vezes não dá tempo de fazer muito academia. Como é um esporte de contato fisico, você cai no chão, é duro. Sem se preparar muito, desgasta. Para os atletas que hoje estão na Seleção Brasileira, que vislumbram viver de rugby, é um pouco diferente. Eles têm tempo a mais para descansar, treinam academia todos os dias. Mas ainda treinam rugby muito pouco, só duas vezes por semana, em todos os clubes do Brasil é assim. E é sempre a noite, depois que todo mundo já trabalhou e estudou. A maioria dos times treina a partir das 20h30, isso dificulta um pouco.

    Existe a intenção de até 2016 profissionalizar o esporte no Brasil?
    Existe. Primeiro que, no nível olímpico, a gente não vai conseguir ter uma Seleção com as características que a gente tem. Não vamos conseguir competir assim. Ainda não é certo que o Brasil tenha uma vaga por ser o país sede. Existe a possibilidade, mas também existe uma de que tenhamos que entrar em uma qualificação. Sendo amador, a gente não vai conseguir. Se precisasse, hoje, fazer uma seletiva mundial, a gente não chegaria entre os 12 primeiros, de jeito nenhum. Então nos próximos quatro anos precisa muito disso, profissionalizar, talvez no nível de Seleção apenas. Nos clubes isso não vai acontecer tão cedo. Eu sei que tem alguns clubes mais organizados que estão começando a pagar uma ajuda de custo, via projetos de incentivo a esporte, mas até a profissionalização é um caminho muito longo. Mas em um nível de Seleção, talvez no próximo ano já tenha, do contrário, não vamos conseguir trabalhar. Esse trabalho que os neozalandeses estão propondo, do jeito que está não tem como. Os jogadores vão precisar parar de trabalhar por um tempo, mas para isso vão ter que ganhar para isso. Isso está bem próximo na seleção.

    Os jogadores da seleção trabalham durante o dia então?
    Os mais velhos fazem isso. Os mais novos, como o cenário mudou e existe a possibilidade de ser profissional do rugby, já procuram fazer uma faculdade voltada a esporte para ter tempo, deixam de fazer estágio, trabalhar. Eles comem um pouco o pão que o diabo amassou pra ter chance lá na frente, de poder ser profissional. Os mais velhos não, porque não existia a possibilidade. Na verdade eu fui meio teimoso de querer viver de rugby. Então hoje eu vivo, mas não só como atleta, também atuo no rugby em outros setores, se não eu não conseguiria.

    Você ainda dá treinos para equipes universitárias?
    Não. Eu assinei um contrato com a Topper de patrocínio, em que no primeiro ano era só material esportivo, e no segundo também tinha quantia em dinheiro. Me dei ao luxo de parar esse tipo de trabalho, porque eu ficava até meia noite, 1h da manhã, dando treino, para no outro dia acordar cedo, treinar, estar competitivo. Já não sou mais um garoto, tenho 31 anos, e como a Topper me deu a oportunidade, eu parei. Hoje tenho mais tempo para me dedicar ao campo. O que eu tenho feito é trabalhar como coordenador técnico aqui no Bandeirantes no juvenil. Quando voltei da Itália para o São José, o Bandeirantes me chamou para fazer um projeto de base, através da lei de incentivo. Escrevemos o projeto, foi aprovado, e já está no 3o ano. Também comento rugby no Bandsports, tenho uma coluna diária na rádio Bradesco Esportes FM, e ajudo no Rugby Spirit, que ajudei a idealizar. E fico nas redes sociais, tentando divulgar o rugby.

    Você disse que no começo foi teimoso de tentar viver de rugby. Como foi sua ida para a Itália? Já tinha algum contato de time lá quando decidiu viajar?
    Eu fui com um amigo de São José, o Erick (Putin). A gente morava em São Paulo mas treinava em São José toda terça e quinta. Íamos de carro e sonhando em jogar fora do Brasil. Eu já tinha ido para a França uma vez com uma turnê do São José, ficamos 15 dias, e levei todas as minhas coisas achando que um clube ia me chamar para ficar, na época tinha 18 anos. E não fiquei. Como eu jogava desde cedo na Seleção, sempre alguém falava que ia arranjar um time para mim fora, na Irlanda, País de Gales. O tempo foi passando, eu fui acreditando, e nunca aconteceu nada, até o dia que eu decidi ir. Como tinha um parceiro, o Erick, ficou mais fácil. Ele tinha um tio na Itália, por isso fomos para lá. Eu não tinha grana para a passagem, comentei com meus alunos da Direito-USP e um dia eles chegaram com o dinheiro, tinham feito uma vaquinha. Era uns 2400 reais.

    Comprei e fui para lá, sem contato nenhum. Começamos a pesquisar na internet clubes perto da casa do tio dele. No primeiro que a gente foi, o treinador falou quando chegamos: olha, eu conheço o nível do rugby do Brasil e sei que vocês não vão conseguir, mas podem tentar. A gente treinou bem forte, estávamos muito decididos e focados. Depois de uma semana ele falou que gostou da gente, mas que estávamos perdendo tempo lá, porque o time disputava a série B e no campeonato que disputava havia limite de vaga para estrangeiros. Depois disso fomos para um clube de série A, que foi onde consegui jogar. O Erick machucou a clavícula logo no primerio amistoso e foi embora para o Brasil. Eu joguei lá, dois anos, e depois voltei.

    Antes de ir, como era sua vida no Brasil? Trabalhava e estudava?
    Eu tinha 23 anos. Fiquei muito tempo, alguns anos, estudando para passar em Medicina. Mas na verdade acho que era mais uma desculpa para não trabalhar e poder jogar. Uma hora cai na real, e meu pai já estava me pressionando. Ele não podia pagar particular, então eu tinha que passar numa publica, o que é dificílimo, ainda mais que eu não estudava tanto. Ai prestei fisioterapia em uma faculdade paga aqui em São Paulo que tinha time de rugby. Eles me pagavam faculdade, e eu também dava treino para a faculdade de Direito da USP. Assim eu me mantinha em São Paulo. Morava em república, gastando o mínimo possível.

    Na volta, fiz educação física, larguei a fisioterapia, achei que tinha mais a ver comigo. Lá na Itália eu dei treino em um projeto que chama Escola. No primeiro ano me deram casa e trabalho, de pedreiro. Trabalhei de pedreiro o ano inteiro. No segundo ano eu questionei que não dava pra trabalhar assim e que /queria me desenvolver no jogo. Assim virei profissional e eles passaram a me pagar mensalmente. Mas para não ficar a toa, só treinando, eles me colocaram nesse Projeto Escola, que era dar aula de rugby nas escolas da região. Dava treino para criancinhaa de 5 a 15 anos de idade.

    Você acha que há espaço para algo desse tipo no Brasil?
    Aqui tem um projeto, que chama tag rugby. Porque no rugby precisa cair no chão e a maior parte das escolas não tem campo gramado. Uma alternativa é o tag, que é uma fitinha que amarra na cintura. Se você puxa a fita, tem que parar. Isso já tem dentro dos CEUs (Centro Educacional Unificado, da prefeitura de São Paulo), e é a instituição Urra que faz. Esse é o caminho. Aliás, o único para entrar na grade das escolas. Por exemplo, eu dei treino, para crianças de 7 anos. Não era treino de rugby, era brincar com a bola, e eles ficam muito empolgados. Tinha um menino que estava tão eufórico, que bateu a cabeça no dente do outro, que caiu. A mãe chegou lá chorando, e o rubgy nunca mais entrou na escola. É um perigo, tem um preoconceito. Se um menino está correndo e cai, e estava com a bola de rugby, mesmo que não tenha tido um contato, isso vai dar problema. Se ele quebrar o pé  num carrinho de um jogo de futebol, não tem problema. Mas se quebrar brincando de rugby, vai. Essa é uma atenção grande que tem que ter. E acontece mesmo, então os pais tem que ser muito informados do que está acontecendo, o que é o rugby, e não podemos ter problema. Acho que esse é um dos maiores desafios: conter o avanço monstruoso de número de times e de gente jogando, e não acontecer nenhum acidente mais grave.

    Quando você voltou, continou treinando e passou a trabalhar?

    Eu vim para São Paulo e comecei a jogar no Bandeirantes. Ajudei a montar esse projeto através da lei de incentivo. Dava treino para a FEA-USP, Direito-USP, Direito-Mackenzie, Winner Rugby, dava muito treino. Tem um projeto que chama Rugby para Todos em Paraisópolis, dei treino lá para ganhar uma graninha e porque eu gosto também. Fazia bastante disso, junto da faculdade. Ano passado foi o ano em que eu mais dei treino, mas também foi o ano do PAN. Foi complicado porque estava ganhando uma grana de treino, mas era ano de PAN e queria ter me preparar um pouco mais. No final o resultado do PAN não foi legal, acho que podíamos ter aproveitado mais. Depois que acabou, decidi que tinha que parar de dar treino para me dedicar ao lado atleta. Claro que outras atividades eu não posso parar, porque tenho que pensar na carreira pós jogador, então essas de mídia procuro manter, acho que pode ser um  futuro para mim.

    A realidade dos outros países da América do Sul, que participaram do PAN, tirando a Argentina, é a mesma do Brasil?

    É a mesma. Uruguai tem uma seleção muito tradicional, já jogou Copa do Mundo, mas eles tem mais tradição. O Chile a mesma coisa. A Argentina também é amadora, só agora que começaram a pagar jogadores. Até então eles não tinham rugby profissional, mesmo sendo os terceiros colocados na Copa do Mundo. Quem ganha são os que jogam fora do país. No PAN, tinha Canadá e EUA, que são profissionais, com equipes bem estruturadas e com muitos recursos, e tinha a Argentina, que foram os três primeiros. Do Chile ganhamos uma e perdemos outra. Do Uruguai perdemos de placar apertado, 5×0, que é como se fosse 1×0 no futebol. Ganhamos da Guiana e empatamos com os EUA por 19×19, e contra Argentina não jogamos. A única diferença monstruosa foi contra o Canadá, que foi 45×0, e mostrou o abismo entre os dois. Competitivamente, o Brasil foi muito bem, mas terminou em sétimo, então não foi legal. Tirando Canadá, EUA, Argentina, todas tem os mesmos problemas.

    Hoje em dia há mais jogadores brasileiros fora do país?

    Sim. Tem o Nicholas Smith na Inglaterra, ele joga em nível bom. Tem um que chama Luis Guilherme, que está na França e é uma boa promessa. Ele foi com 17 anos e é muito grande, alto, bem forte. Os franceses pegaram ele no colo, colocaram na academia do clube que forma os profissionais. A gente tem no Band dois que foram para Inglaterra, Pedro e Tuly, em nível amador, para se desenvolver. Tem o Moisés também, que tem um contrato e está só esperando o visto para ir para a França. Hoje tem um movimento muito maior de jogadores querendo jogar fora.

    Isso ajuda a Seleção.

    Demais. Eles vão se desenvolver tecnicamente, dentro de uma competição muito mais forte do que aqui no brasil. Quando juntar a Seleção e for disputar um torneio internacional, vai fazer diferença. É o que falei da Argentina, se você pegar Copa do Mundo, todos jogam foram. Dos 30 jogadores, tem um ou dois que jogam na Argentina mesmo. Se fizesse uma seleção com quem joga na Argentina, não chegaria nem perto do que eles tem.

    Quando o Brasil perdeu para a Argentina no início do ano, houve grande repercussão do resultado, 111×0. Você acha que falta para imprensa um entendimento melhor, tanto do esporte como da situação das duas Seleções?

    Ah, falta né. Conversei muito naquela época, muita gente me perguntou. Primeiro tem que distinguir o seven e o XV. No seven a gente ganhou um jogo deles, como te falei, e tem condições. Talvez não ganhe nos próximos anos, mas estamos competitivos. Contra Chile e Uruguai também. No XV a diferença é gritante. Fazia 20 anos que não jogávamos contra a Argentina no XV. Então perder de 111, 150, 100… a gente estava em campo contra eles. É uma vitória para o Brasil ter adquirido o direito de jogar contra a Argentina. Agora, o placar é esse. Eu acreditava até que ia ser um pouco mais. Porque a realidade entre as duas estruturas é um abismo, não dava para esperar menos. Na minha opinião foi bom, mas falta a mídia conhecer, claro. Agora, isso a gente não vai conseguir nunca. A gente reclama dos esportes que chegam na Olimpíada e não trazem medalha, chamamos de pipoquero. Isso é uma coisa de brasileiro que a gente não vai conseguir mudar muito. Mas falta sim, conhecer as duas Seleções.

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