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  • O longo caminho que o atletismo do Brasil tem a trilhar

    03/09/2012 por Rui Barboza Neto em Atletismo, Notícias, Opinião / Sem comentários
    Terminados os Jogos Olímpicos de Londres, um período de “ressaca” para as modalidades é normal. No atletismo, alguns atletas continuam sua temporada de meettings na Europa, com cara muito mais de festa do que propriamente competitivo. Este período também serve para reflexões. E é disto que este texto pretende tratar.Analisar, refletir e debater são ações sempre saudáveis. O momento do atletismo brasileiro necessita disso. Precisamos também de propostas e projetos que sejam concretizados para a evolução da modalidade. Muito se falou e se especulou, mas debate sério e construtivo pouco se viu.

    Que o atletismo saiu de Londres sem nenhuma medalha e apenas 4 atletas e uma equipe de revezamento conseguiram figurar entre os 10 melhores foi muito divulgado. Mas vi poucos questionamentos sobre porque uma nação do tamanho do Brasil não consegue preparar uma equipe mais competitiva. Vi menos ainda comentários sobre como, em um universo de 47 provas, nós só vamos com uma atleta com chances reais de medalha. Isso mesmo, apenas Fabiana Murer tinha chances reais de medalha. E, por ironia, a única que alcançou este patamar foi a que mais “apanhou” por sua falha. Isto levanta mais uma questão: será que o atleta é o maior culpado por isso?

    Para responder esta questão é necessário levantar todo o histórico de detecção de talentos, início, preparação e continuidade na modalidade. Só isto já daria uma tese acadêmica, o que obviamente não cabe aqui. Mas um esboço cabe. A detecção de talentos de forma organizada não há no Brasil. Ela é feita por bravos treinadores e professores de educação física que, por amarem a modalidade, pescam crianças e adolescentes com aptidão em seus locais de trabalho, seja na escola ou em projetos sociais. Em um universo de aproximadamente 29 milhões de indivíduos no Brasil entre 6 e 14 anos (o censo 2010 do IBGE aponta que 15,3% da população brasileira está nessa faixa etária), e com apenas algumas centenas destes bravos treinadores e professores de educação física que conseguem ter um olhar clínico para detecção de talento para o atletismo, fica evidente que esta quantidade de treinadores e professores não dá conta dos 29 milhões, até porque nem 10% dessas crianças passarão perto deles. Desta forma. é impossível selecionar os melhores.

    Agora vem o início na modalidade. Considerando a nossa pífia detecção de talentos, daquela imensidão que não é detectada, alguns acabam caindo na modalidade de forma inusitada. Muitos atletas iniciam com mais de 20 anos, pois em um dia iluminado descobrem a modalidade – e não ao contrário, como deveria ser – e executam uma corrida, um salto ou arremesso com uma capacidade de dar inveja até aos que treinam há anos. Outros são oriundos de modalidades diferentes, onde não vão tão bem, e por estas coincidências da vida um daqueles bravos treinadores os detecta, sugerindo um teste no atletismo.Depois de iniciar na modalidade, vem uma situação que eu considero mais crítica do que a própria detecção de talentos falha em nosso país: a continuidade nos treinamentos. Não é preciso explicar que para um atleta chegar em condições de disputar uma medalha nos Jogos Olímpicos necessita de anos de preparação. Isso requer obviamente um bom tempo de dedicação  até chegar no rendimento ótimo para ele. O que vemos por aqui é uma debandada de jovens atletas que ingressam e saem da modalidade, às vezes não completando nem 2 ou 3 anos de treino.

    Motivos são vários. A falta de incentivo de várias partes é o principal. A dificuldade de se locomover para o local de treinamento, seja por conta da distância ou da falta de recurso para pagar a condução, já gera uma desmotivação natural depois de um tempo treinando. A falta de incentivo financeiro gera uma insegurança em relação ao seu futuro, pois este atleta no início não tem condições de ser top, precisa de um tempo para ver onde ele pode chegar, tempo este que ele precisa ter com uma certa segurança. A falta de incentivo em casa. Muito se fala da falta de apoio governamental, mas quantos pais incentivam seus filhos a praticarem atletismo? Isso vale para veículos de comunicação que também cobram incentivos públicos, mas o que eles fazem para incentivar a modalidade? Quantas vezes no ano se passa atletismo na TV? Se toda essa falta de incentivo é crucial para um adolescente, imagina para aquele adulto que depois dos 20 anos descobriu que pode ser bom no atletismo. Veja o tamanho do problema, conseguir atletas já é uma dificuldade, mantê-lo na modalidade é mais difícil ainda. Claro que nas desistências precoces a maioria são de atletas que não conseguiriam sequer alcançar uma final olímpica. Mas se deste contingente alguns ou apenas um fosse capaz de chegar neste patamar, nós já tivemos um grande prejuízo.

    Faltou citar a preparação, quesito no qual eu vejo a única evolução do atletismo, porém com ressalvas. Pode parecer paradoxo, mas a preparação dos atletas tem evoluído mesmo não tendo reflexo nas conquistas nestes Jogos. Avaliando a situação em outras competições, essa evolução fica um pouco mais clara. Algumas clínicas e intercâmbios com treinadores de fora foram realizados pela Confederação. Isso ajudou muito nossos treinadores tops, os que trabalham com os principais atletas. Agora vem a ressalva: e o restante? Qual medida foi tomada para reciclar e formar mais treinadores no atletismo? Qual a valorização que se dá para os treinadores da área mas que não são os que trabalham com os principais atletas? Já foi feita uma pesquisa para saber quanto recebe este profissional? Notem a atual situação. Temos uma vergonhosa detecção de talentos aliada à falta de incentivo na permanência da modalidade. Para “ajudar” temos um número escasso de profissionais que são pouco valorizados, não só na questão financeira pessoal, mas também na de sua equipe e local de trabalho, na reciclagem e no incentivo ao estudo permanente.

    Observamos, então, inúmeras dificuldades. Necessitamos de muitas correções e com isso percebemos que estamos muito longe de ser um país competitivo no atletismo. E os problemas não param por aí. Tem outros assuntos a serem levantados e debatidos, como as regras de seleção dos atletas para os Jogos, a estrutura das equipes formadoras, se a centralização dos melhores atletas em apenas um centro de excelência é a melhor forma de desenvolver o talento deles, a divulgação da modalidade, entre outros assuntos que gostaria de tratar em outra oportunidade.E voltando à pergunta inicial sobre se a culpa maior do desempenho em Londres é realmente do atleta. Depois de alguns pontos apresentados acima, qual a sua opinião? Antes de cobrar um bom desempenho brasileiro no atletismo é preciso saber que o caminho para se tornar potência é longo. Não dá pra cobrar um doutorado de uma pessoa sendo que ela nem passou no vestibular ainda.

    Rui Barboza Neto é bacharel em Esporte pela Escola de Ed. Física e Esporte da USP, treinador de atletismo e preparador físico da Associação a Hebraica de São Paulo. Foi comentarista do UOL nas provas de salto com vara e em altura

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