Aos 19 anos, Beatriz Travallon tem uma história um pouco diferente da maior parte das nadadoras de destaque do Brasil hoje. Nadando no Primeiro de Maio até os 15 anos, ela pegou sua primeira final de Brasileiro de categoria apenas como juvenil 2, em 2009, ano em que foi treinar no Pinheiros. Com boa evolução de tempos e resultados desde então, Beatriz brilhou no Open do ano passado, brasileiro absoluto, vencendo as três provas de peito.
O resultado classificou a nadadora para sua primeira seleção absoluta, na disputa do Mundial de curta, na Turquia, em que chegou à semifinal do 50 peito. Depois de desistir de uma bolsa de 100% para estudar e nadar nos Estados Unidos para continuar o trabalho com seu técnico Sérgio Marques (“Não troco por nada”), Beatriz mira o Mundial de Barcelona. “Depois que eu nadei o Mundial vi que fiquei em 11o, mas o mais importante é que eu olhava para a campeã e via que ela tinha dois olhos, duas pernas, percebei que ela era igualzinha a mim. Caiu a ficha, se ela consegue, por que eu não posso?”
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Quando você começou a nadar? Praticava algum esporte quando era mais nova?
Eu praticava tudo na escola, vôlei, futebol, handebol. Não era a melhor, mas fazia. A natação começou quando eu era pequena. Meu pai falou pra mim e pro meu irmão: “Vocês vão escolher três esportes, fazer por um tempo, escolher um e ficar no mínimo três anos”, porque ele queria que a gente pegasse disciplina, essas coisas que o esporte dá. A gente começou no futebol, tênis e natação, e escolhemos natação. Passaram os três anos e continuamos…
Comecei a competir no Primeiro de Maio na 4a série, com 10 anos. Com 13 anos eu federei, e esse tempo todo treinei com a Valéria. Em 2009 vim para o Pinheiros.
No infantil 1 você já foi campeã paulista e chegou a ir para o Brasileiro.
Eu ganhei no primeiro paulista de federado que nadei, foi um choque. Porque nunca tinha ganhado nem o Paulista de não federado, no meio do ano tinha sido terceira. Sabe na sua vida quando você tem alguns eventos que parece que marcam? Esse foi um deles. Depois daquilo parece que minha cabeça mudou, e ninguém esperava.
Como era a equipe no Primeiro de Maio? Depois que ganhou o Paulista você chegou a pensar em ir para um lugar maior?
A equipe era bem pequena, devia ter uns 15 atletas no máximo, e federados eram quatro. Eu não pensava em sair. Comecei a pensar quando eu fui em um ortopedista por um problema na coluna. Ele falou que ia em uma conferência que tinha um médico do Pinheiros e perguntou se eu não queria mandar um currículo. Eu fiz, mas não esperava nada. Isso foi em 2008, e em 2009 eu entrei no Pinheiros.
Nesse ano você já melhorou seu tempo de 1’20 para 1’17 na longa e chegou à final do Brasileiro pela primeira vez.
Sim. Era muito diferente o treino no Primeiro de Maio e do Pinheiros. Antes eu treinava de terça a sexta, não treinava segunda nem sábado, e não malhava direito. No Pinheiros mudou tudo, parece que completou aquilo que faltava, de ir de um clube pequeno para um com mais estrutura. E desde então todos anos eu consigo fazer uma melhora boa.
Nessa época que você estava no Primeiro de Maio você continuava treinando bem focada na natação, se imaginava nadadora?
Eu vou confessar que eu não me imaginava em Olimpíada, porque eu não achava possível. Eu queria nadar bem, ganhar medalha, mas me imaginava focando em faculdade e estudo. Conforme foi mudando, o rumo do meu sonho foi mudando também. Agora se você me perguntar se eu me vejo na Olimpíada, eu me vejo. E disputando. Agora eu consigo acreditar.
Quando isso mudou?
Acho que em 2012, quando eu peguei medalha do 100 peito no Finkel. Nesse dia eu falei “Olha, talvez eu possa ser alguém…”. Eu já tinha medalha de absoluto, mas no 50 peito.
Mesmo quando você estava no Pinheiros, não era a melhor do estilo lá, estava rodeada das meninas que eram as campeãs nessa prova. Como era isso e com que técnicos você treinou lá?
Treinei um ano com o Taba e depois no júnior até hoje treino com o Sérgio Marques. Quando eu entrei não treinava com elas, que eram mais velhas. Treinava com as da minha idade, e eu estava no bolo. Tinha hora que ganhava o tiro, às vezes elas ganhavam. Na competição eu ainda perdia, mas no treieno já tinha começado a me adaptar. Ano passado comecei a treinar com a Carol [Mussi], Ana Carla e Tuca [Tatiane Sakemi]. Foi um choque, não estava acostumada a treinar com gente de peito. Mas foi rápido, é bom que tem um intercâmbio de técnica, uma ajuda a outra.
Você falou do Paulista como um dos eventos que te marcou, quais foram os outros?
Esse Finkel que eu consegui a medalha, o Open do ano passado. Eu diria que foi o maior deles…
Onde você ganhou as três provas de peito….
Sim, e uma coisa que nem eu esperava. Eu queria nadar bem, ms superou as expectativas. E o Mundial também. Eu nadei e vi que fiquei em 11o na eliminatória, mas mais do que isso, eu olhava para a campeã e falav: “Gente, ela tem dois olhos, duas pernas…” Percebi que ela era igualzinha a mim, então não tem porque eu ser diferente. Caiu a ficha que se ela pode, por que eu não posso? Tem uma questão psicológica muito importante. Se uma menina de 15 anos consegue, porque eu não posso? É só trabalhar duro, ser focado, que eu vou chegar.
Seu melhor resultado no Mundial foi o 50 peito, que chegou na semifinal, mas você mesma disse que os momentos em que passou a acreditar foi quando pegou medalha no 100. Como é seu treinamento, o foco é para que prova?
Eu treino no meio fundo, treino para o 100 e 200 peito. Porque o 50 eu sei que meio que sai sozinho. Não preciso treinar muito velocidade, não sei porque mas já sou mais veloz naturalmente. Preciso treinar mais a parte de fôlego, ritmo de prova. Se eu treino para o 200 nado bem tanto essa prova quanto o 100.
E entre curta e longa?
Eu não tenho preferência pela curta, é so que tenho resultados bons e isso acaba me dando conforto de nadar na curta. Mas eu sei que são dois esportes praticamente diferentes. Eu quero dar a mesmo coisa na longa que eu dei na curta. Porque na longa é a coisa série né. Eu quero ir para o Maria Lenk com a mesma cabeça, físico, que eu estava no Open.
Como é sua rotina de treinamento?
Eu treino de manhã, às 7h30. Volto para casa e passo um bom tempo falando com meu namorado [o também nadador Arthur Mendes Filho, 3o colocado no Mundial Júnior de 2011], que mora nos Estados Unidos, e vou descansar. Dai eu durmo, vou pro treino, e do treino vou direto para a faculdade. Volto para casa umas 23h.
Você ficou dois anos sem estudar até começar a faculdade, como foi esse período?
Foi um mometo que eu decidi que queria focar na natação. Eu ainda tenho esse foco, mas sei que não posso deixar de fazer faculdade. Não estou fazendo a melhor do mundo nem me dedicando 100%, mas sei que tem que ser feito. Nesses dois anos eu tinha decidido ir para os EUA, fiquei um ano mandando papelada, fui aceita e duas semanas antes da viagem eu desistir. Tinha 100% de bolsa, mas a faculdade era ruim na natação, a melhor menina tinha 1’08 em jardas. E ai teve o Finkel, que eu estava me dando muito bem com o treino do Serjão, eu sai de uma pessoa que achava que não tinha alguma coisa aqui para mim, para uma que viu meu futuro aqui. Decidi focar na natação e ficar com o Serjão, não largo ele por nada.
Sua família apoiou?
Apoiou. Meu pai falava que preferia que tivesse ido, mas me apoia porque sabe o quanto a natação é importante para mim. E minha mãe era atleta. Ela sempre quis ir para as Olimpíadas. Mas ela jogava vôlei e não era alta, então não conseguiu se desenvolver muito. Ela apoiou muito.
Todo mundo comenta sobre o peito feminino ser o estilo mais fraco do país, e de fato não temos nenhum resultado expressivo. Como você recebe isso?
Infelizmente é verdade, mas não é por falta de esforço nosso para mudar isso. O peito feminino nunca foi muito forte, teve a época dos trajes que foi um pouco melhor, e depois disso foi ficando esquecido. É ima coisa que a gente tenta mudar e eu sei que vamos mudar. Fazemos a mesma coisa que todo mundo, não tem como não dar certo. No treino o Serjão sempre incentiva, fala “Meninas no peito, vamos levar esse peito para frente”.
Como está a expectativa para o Maria Lenk?
Boa. eu quero pegar a vaga de novo para o Mundial.
O revezamento já está classificado então a primeira da prova vai para nadar o 4×100 medley, mas e o índice você acha que dá para chegar?
Dá para chegar. Meu tempo atual está muito distante, tenho 1’11’‘7 do Maria Lenk do ano passado, o índice é 1’08’‘6. Mas de novo, se pensar no que eu fiz na curta, 1’07’‘2, eu sei que sou capaz de fazer 1’08, só preciso saber colocar na água.
Como você pensa em seus objetivos?
Tenho metas de curto, médio e longo prazo. Mas conforme você vai andando suas metas vão mudando. A meta no Open era pegar medalha, e ponto, e a meta ambiciosa era ir pro Mundial. Quando eu atingi melhor do que a meta, a meta mudou. Agora e quero pegar semifinal, final no Mundial. Conforme curto prazo muda, o longo prazo muda também, Eu tenho meta agora de conseguir vaga para Barcelona, e lá melhorar classificação, ir para as Olimpíadas. Mas as coisas vão mudando.
Como está o clima no Pinheiros?
As coisas mudaram muito do ano passado para esse. A equipe está mais unida, faz treino conjunto, sai junto, acho que isso vale mais que os resultados. Não estamos fortes para ganhar o Maria Lenk, não vai ter contratação, mas essa união de um torcer para o outro faz a gente somar mais pontos. É uma questão mais de equipe do que de resultado.
Como é sua postura de treino e competição? Treina bem e fica mais nervosa na competição, ou costuma crescer em competição?
Eu treino muito bem, e às vezes minha competição não era compatível com o treino. No Open foi a primeira vez que foi compatível com o que eu estava treinando, antes eu ia com expectativa alta e acabava quebrando um pouco a cara. Costumo ficar muito nervosa, ainda mais quando é a primeira prova. Mas tô trabalhando nisso, melhorei no Finkel, Open e no Mundial não fiquei nervosa. Isso para mim foi uma boa conquista.
Alguma vez você já pensou em parar de nadar?
Não, eu sempre quis nadar. Algumas pessoas que sempre foram boas desanimam quando caem um pouco. Mas eu comecei lá de baixo, sei perder também. Isso foi bom para mim, eu aprendi desde sempre a perder.
Foto de capa: Satiro Sodré – Divulgação/CBDA
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A natação feminina do Brasil – Beatriz Travalon
[...] importante. Se uma menina de 15 anos consegue, por que eu não posso?”, frisou a nadadora em entrevista ao blog Esporte Em Pauta de Beatriz Nantes. Posted in TCC | Tags: Beatriz Travalon, Brasil, nado peito, natação [...]
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