Há um ano, João Junior via seu amigo Tales Cerdeira, com quem divide apartamento, viajar para as Olimpíadas. Depois de ficar com o segundo tempo do 100 peito até a última seletiva, João foi superado e perdeu a vaga. Há cinco anos, treinava no clube Álvares Cabral, no Espírito Santo e dividia a rotina de treinos com o trabalho de garçom, sem nunca ter chegado a uma seleção brasileira. Há nove anos, levava a faculdade de sistemas de informação, que conciliava com os treinos. Amanhã, João embarca para Barcelona, onde chega com o segundo melhor tempo do ano no 50 peito, com chances de brigar por medalha na prova. Nesta entrevista, ele fala sobre seu treinamento, a vinda para o Pinheiros em 2009, o que passou na sua cabeça após o Maria Lenk do ano passado e o que espera do Mundial.
Você viaja amanhã, como está a ansiedade?
A gente sempre fica ansioso né. Ainda mais agora que começa o polimento, precisa se ocupar com outras coisas para não pensar muito na viagem. Quando chegar lá e começar a sentir o clima, mais ainda.
Mas não é seu primeiro Mundial né? Mesmo para o de longa, você já foi em Roma-2009…
Não é novidade, mas acho que toda competição tem sua particularidade. A ansiedade de agora é diferente de 2009.Tinha sido minha primeira competição internacional, minha primeira seleção. Bate diferente. Não tem como ir com 100% de tranquilidade.
E agora você está indo com o segundo tempo do mundo no 50 peito, com chances de medalha.
Eu estou indo para brigar nas duas provas. Nado primeiro o 100 peito, no domingo, e vou pensar primeiro nele, e depois nada o 50 peito, que só vou pensar quando acabar o 100.
Esse ano também tem tudo aquilo de você ter ficado de fora de Londres, e agora fez um Maria Lenk muito bom. Muita gente te vê como modelo de superação e fala disso. Você se vê assim também?
O pessoal fala isso, de dar a volta por cima. Eu penso que eu não fiz mais que o meu trabalho. A natação é minha paixão, é uma coisa que eu sempre quis, mas é o meu trabalho. Eu vivo disso. Treinei para aquilo, e graças a Deus deu tudo certo. Ficar pensando nessas coisas de superação, coitadinho.. não gosto muito. Tudo bem, bati na trave ano passado, vivi quatro anos de um ciclo olímpico, bati na porta e não pude estar, mas é levantar a cabeça e bola para frente. Quero viver de novo esses quatro anos, e acho que pode ser diferente. Como eu vivi os outros quatro, sei os caminhos que posso seguir, o que não posso errar. Esse aprendizado de Londres eu vou levar pro Rio-2016.
E você pensa no Rio já, ou tenta pensar nos degraus até lá?
É lógico que a gente sempre pensa no topo. Até lá é um longo caminho, mas três anos passam rápido. Hoje eu posso ser o melhor, e amanhã possa não ser. Gosto de levar cada etapa. Eu sei os degraus que eu tenho que subir para chegar ao Rio, sei onde eu tenho que estar em 2013, 2014, 2015. Eu vou passo em passo.
Você veio para o Pinheiros em 2009, depois de ganhar o Open de 2008. Como foi essa vinda?
A minha vinda para cá foi um pouco conturbada. Eu venho de um estado [Espírito Santo] que forma ótimos atletas, mas que peca no investimento. Não adianta formar um atleta e não segurá-lo. Eu vinha batendo na porta todo ano, e nada. Eu podia ter saído de Vitória em 2004, só que eu teria que sair pagando tudo, tendo que me custear. E eu sempre quis ter uma faculdade, então coloquei na cabeça que só sairia de Vitória depois que me formasse. Muita gente me falava como era difícil se formar em uma faculdade fora do estado e viver só de natação. Então eu fiz faculdade de sistemas de informação, me formei em 2007, e dei continuidade a natação. Até nadei um pouco de maratona, porque estava treinando menos.
Mas em 2007 meu clube acabou com a natação competitiva. E eu não tinha nenhum resultado que desse pra sair recebendo salário. Recebi uma proposta do Álvares Cabral, de Vitória mesmo, para nadar lá em 2008. Naquele ano consegui que pagassem viagens, essas coisas, mas não teve tranquilidade. Tinha competições que eu não tinha passagem até o dia anterior, compravam no mesmo dia de manhã. Isso acaba atrapalhando qualquer atleta.
Então eu nadava no Álvares e tinha esses custos pagos, mas eu tinha 22 anos, não ia ficar pedindo dinheiro para o meu pai. Comecei a a trabalhar de garçom. Já trabalhava de guarda-vidas desde os 18 anos. Por morar na praia, e por meu ex-técnico ser o chefe de guarda-vidas, quase todos os atletas dele tinham que passar por isso. E 2008 foi justamente o ano que eu consegui despontar. Mas foi difícil. Eu consegui trabalhar nesse restaurante só de sábado e domingo, saía do Alvares 11h da manhã, no sábado, e tinha que estar no restaurante 12h, do outro lado da cidade, a 2 horas de ônibus.
No final de 2008 peguei Copa do Mundo de Moscou, e foi quando conheci o Ari, e deixei claro pra ele que queria vir treinar no Pinheiros. Ele falou pra gente esperar o Open. E no Open deu tudo certo, ganhei o 50 peito com índice pro Mundial, e fiz índice no 100 também. Assim consegui vir para cá em 2009.
Então você fez essa grande competição antes de vir para o Pinheiros, e enquanto treinava e trabalhava.
Até porque se não fizesse eu não viria. Quando o Albertinho fez a proposta eu deixei bem claro pra ele, que eu só ia sair de Vitória se não precisasse depender dos meus pais. Ele falou para eu esperar. Em janeiro ele me avisou, no outro dia eu já comprei passagem e vim direto.
Você já tinha 22 anos, e na sua prova tinha muita gente boa no Brasil. Você nunca tinha pego seleção brasileira de categoria. Por que continuou nadando?
Difícil. Acho que é a paixão pelo esporte. Eu fui muito persistente também. Todos meus amigos, que nadavam comigo no outro clube e no Álvares, todos eles pararam, e eram até melhores que eu na época. É uma pergunta difícil, por que eu não parei… eu tive várias oportunidades de parar. Mas tinha o apoio da minha família, que foi muito crucial, meu pai sempre falou para eu ir atrás do que eu queria. E também me motivava muito que em 2004 eu falei para o meu pai que ele não ia pagar mais nada da natação para mim, nem passagem para ir pro treino. Foi quando eu comecei a me desdobrar. E eu tentei honrar o máximo possível o que eu falei. Acho que foi isso que me motivou a continuar, mostrar para ele que eu era capaz de alguma coisa. Meu pai é assim, se você falou você vai ter que cumprir. Me motivou muito mostrar para minha família que eu podia fazer isso sem depender deles, e o apoio que eles davam para eu seguir o que eu gostava também foi muito crucial.
Você pensava em Olimpíada, Mundial, ou naquela época pensava mais no próximo ano, em melhorar cada vez mais?
Naquela época, até 2008, eu pensava no próximo ano. Lógico, eu me via nadando igual os caras, mas não me via sendo capaz de chegar aonde eu cheguei até agora. Eu me via tentando competir, mas não fazendo tudo isso. Ainda mais eu, que minha primeira seleção foi com 23 anos. Minha primeira medalha em competição grande foi em 2009, o Open de Paris, eu ali de gaiato. Já chegar e poder representar bem, é bem diferente. Eu fui campeão do Maria Lenk só agora, em 2013, do Finkel só em 2011.
Como foi a adaptação para cá, uma equipe muito maior, com muitas estrelas, inclusive no peito?
Meu medo de sair de lá era assim: vou trocar de time, de vida, será que em três meses vou me manter no Mundial? Conversei muito com o Ari, ele me disse que na teoria a adaptação demorava seis meses, mas que bastava eu querer. E naquela época, eu não imaginava o que eu podia fazer. Queria mostrar serviço para o clube, que tinha alguns dos melhores do mundo. E tinha a garra também, porque era o meu sonho na época treinar com o Ari, o França, o Tales, com todos os melhores de peito do Brasil. E ter o Guido, César, Mangabeira… era uma equipe de peso, pra mim era uma honra fazer parte daquele time. Isso me motivou muito, e deu certo o trabalho em três meses. Porque eu poderia chegar no Maria Lenk e perder a vaga do Mundial.
Como foi vir para São Paulo, uma cidade muito maior, com muitas opções, e dessa vez sem precisar trabalhar, você acabou tendo muita distração?
Na época eu vim para morar com o [Felipe] França, o Tales [Cerdeira] e o André Brasil. Eu fui morar na sala, tinha uma cama e um armário, e era o que dava para eu pagar. Fiquei até junho morando na sala, depois o França saiu e foi morar sozinho e eu fui para o quarto dele. Hoje moramos lá só eu e o Tales, o André Brasil casou.
São Paulo é muito legal, mas é fácil você se perder. Venho de uma cidade em que tudo fecha cedo. São Paulo é 24 horas. Logo que eu cheguei fiquei meio deslumbrado com a gama de coisas. Poder sair para o mercado a qualquer momento, para comer a qualquer momento, e até pras festas. Não vou mentir, a gente sai e se diverte. Mas quando eu vim pra cá, eu pensava muito em mostrar serviço, então fui certinho até demais no início. Depois você vai aprendendo a conviver com tudo, usar o lado social e profissional junto.
Dá pra se divertir muito com moderação. Eu to falando do meu corpo, não posso me dar ao luxo de perder uma noite. Eu até posso, mas quem vai sofrer amanhã sou eu. É uma disciplina forçada, vivo de um esporte que se meu corpo não estiver 100% bem, não vai responder. Sair, eu deixo muito mais para quando estou de férias. Que é aquela uma semana que tenho que aproveitar, que posso perder uma noite, sair durante a semana. Durante a temporada, é só no final de semana, e sem perder noite.
Você começou treinando com o Ari, e agora está com quem?
Logo depois do Maria Lenk 2012, o Amém ficou com o Daniel [Orzechowski], o Ari com o França e o [Bruno] Fratus, e o grupo todo junto com o Tomazini e o Sérgio Marques. Todo mundo do Ari que não foi para as Olimpíadas passou a treinar com o Sérgio. E desde então deu certo. Hoje eu não me vejo treinando com outra pessoa. O trabalho dele é totalmente diferente do Ari, e eu me adaptei muito rápido. São trabalhos diferentes e dá para os dois darem certo.
Sei que você não quer ficar como coitadinho, mas como foi esse pós Maria Lenk do ano passado? Você chegou a pensar em parar de nadar em algum momento?
Seria hipócrita se eu te falasse que não. Claro que passa. A gente abre mão de tanta coisa. De família.. no Open de 2011, quando eu fiz o índice olímpico, eu perdi minha vó na mesma semana. Aquilo foi um baque para mim, porque eu pensava que estava sendo muito egoísta, de estar separado para viver uma coisa que é minha, que eu quero. Minha mãe deixou para me contar faltando três dias para a competição. Depois do Maria Lenk de 2012, quando eu vi que não tinha mais como, na hora passa um filme. Pensei, abri mão de quatro anos da minha vida para viver isso, e não to vivendo, e nem vou viver. Dá uma frustrada, porque você coloca todas as fichas para viver o sonho. Na noite ali, foi muito difícil para dormir. Mas no outro dia de manhã, já acordei pensando, não estou na Olimpíada agora, mas eu quero viver isso de novo.
É difícil que todo mundo vem dar tapinha nas costas, isso que é o ruim. O pessoal falando “não deu, um dia vai dar”. A parte mais difícil foi lidar com a derrota. Mas no outro dia eu já apaguei e pensei no próximo trabalho. A gente tirou uma semana de férias, revi minha família, meus pais sempre me apoiando, falando que eu ia viver isso de novo, e eu coloquei a cabeça no lugar. Isso fortalece mais. Quando eu voltei das férias, já estava com a cabeça no lugar, pensando onde errei para não errar de novo.
E você tem uma avaliação de quais foram esses erros? Acha que foi algo técnico?
Não, acho que foi psicológico mesmo. Técnico todo mundo estava preparado, todos que estavam brigando treinaram muito. O que eu consegui perceber logo em seguida foi que a cabeça pegou. Uma coisa que eu deixei acontecer foi deixar o nome Olimpíadas crescer demais, colocar isso no altar. O que eu pequei foi chegar atrás do bloco e sentir esse peso. E na hora não conseguir resolver, isso que eu errei. Eu treinei igual ao França, tinha dias que até um pouco mais. Estar preparado fisicamente eu estava, mas psicologicamente não.
Você acompanha competição lá de fora, pensa em tempo, sabe quanto tem que fazer para ser final, medalha em Barcelona?
A gente acompanha, até porque a natação hoje está muito mais tecnológica. Você tem recurso de tudo, de vídeo, biomecânica. Eu acompanho todos os principais adversários, tenho análise biomecânica das principais provas de todos eles, e as minhas também. É uma questão de saber onde eu não posso errar e onde eu to errando. Eu sei que se eu sair um pouco antes da parte submersa eu vou nadar igual. A gente acompanha os atletas do mundo inteiro, de analisar o nado, e ter esses dados para juntar com os seus e acertar. Ver o que eu tenho que fazer para nadar abaixo de 1’00, por exemplo. Não sei quanto eu tenho que fazer para pegar medalha, mas sei que na final eu vou brigar por medalha. E na final, o que importa não é tempo, é bater entre os três.
Você treina mais para o 100? Como é seu treino?
Meu treino hoje é voltado para o 100, por ser prova olímpica. Mas o Sérgio acaba montando de um jeito para eu não perder minha velocidade. Treino para o 100 sem perder minha característica de velocidade. A gente encaixa a especialidade que tem na prova que vai nadar.
Você consegue se manter concentrado numa competição dessas, com tantas estrelas, sem se deslumbrar?
Cada competição é um aprendizado e tem sua especificidade. Minha cabeça está totalmente diferente de Roma. Lá eu cheguei, claro que com expectativa de medalha, mas não tinha chance. Fui mais para me conhecer, sentir como era. Era meu sonho conhecer o Kitajima, o Cameron, você fica meio olhando. Mas vai crescendo e ganhando seu espaço também. Já não chego mais falando “olha lá fulano de tal”. Até porque eu escrevi minha história também. Tento não pensar muito em quem vai ou não nadar.
Estou indo bem concentrado para essa competição, consciente do que eu treinei, do que passei para chegar até esse momento. Não só de tudo que eu passei do pós Olimpíadas, mas desde quando eu comecei a nadar. A natação é uma continuidade, você colhe o que planta. Eu bati algumas vezes na trave, mas nunca baixando a cabeça. Vou para lá para dar meu melhor. Sei que o brasileiro coloca muita expectativa nos seus esportistas. Tenho consciência tranquila de que eu briguei até o final. Para fazer bem o que eu tenho que fazer, e como consequência conseguir uma medalha, ou um bom resultado.
Como é a relação com o pessoal do Pinheiros, vocês são amigos?
Natação é muito intenso, tudo. Os meus amigos é a natação, eu vivo o dia inteiro com eles. A minha família é a natação. Todos os momentos bons, ruins, eu passo com eles. O ciclo de amizades que você faz na natação é muito forte.
Pega 50 pessoas e faz um planejamento de 13 semanas, onde você vai ter semanas de alto stress, cansaço quase passando do limite. Isso é intensidade. Você cria um vínculo muito forte. Claro que com alguns você conversa menos, mas é muito intenso. Na temporada pro Maria Lenk, tinha 14 pessoas na minha equipe. Pro Mundial, são dois, eu e a Bia[Travallon]. Você não tem como dividir o stress de 14 para 2, fica 50% para cada, o vínculo fica muito forte. Eu até falo que aprendi mais da mulher de ser o único homem nessa “equipe de dois”.
E você mora com um adversário seu também, não deve ser fácil..
Não é fácil, mas o que ta dando certo até hoje é que quando entra em casa a gente não mistura as coisas. Ele é meu melhor amigo, moro com ele há 5 anos. Se nós dois fossemos cabeça fraca, de misturar as coisas, a gente não estaria morando junto. Dentro de casa não somos adversários, somos bons amigos.
Você consegue ficar feliz por ele, quando ele foi pra Londres e você não por exemplo, e ele agora com você?
A amizade também é intensa. Por conviver com ele todos os dias, por cinco anos, eu quero o melhor pra ele e ele pra mim. Claro que eu queria que os dois tivessem nas Olimpíadas, não deu, eu vou torcer pra ele e apoiar. Igual ele ta me apoiando agora que não pôde estar no Mundial. Ele fala pra mim hoje, eu sei que você vai nadar bem lá.
Você conseguiu assistir as Olimpíadas, conseguiu assistir as provas de peito?
Sim, assisti todas as provas.
Sem problemas ?
Não… não porque você pensa pô, o tempo que eu fiz estaria numa final. O tempo que o França fez no Maria Lenk, era medalha na Olimpíada. No dia eu pensei, poderia ser finalista olímpico. NA hora eu fiquei meio puto, mas comigo, não com eles dois, que chegaram com os méritos deles. Fiquei puto comigo de ter nadado várias vezes abaixo do tempo para entrar na final mas na hora não conseguir resolver.
Você preferiria que fosse como esse ano, com uma seletiva só?
Todas as vezes que eu perdi índice, em 2011 para o Mundial e PAN, eu chegava na final e ficava em segundo, só perdia pro França. Você acaba pensando, putz, é o cara de uma prova só. Mas você tem que se adequar com as regras que tem. O Brasil adota os melhores tempos, vamos trabalhar com isso. Em 2011 eu perdi a vaga pro Felipe Lima, do PAN, por um centésimo. E meu tempo também, era medalha no PAN. Mas a gente respeita o que o Brasil adota. Não posso dizer que aprovaria final. Eles fazem as regras, a gente nada.
1 Comentário
Brasileiros vão a mais duas finais no Mundial de Barcelona | Olimpílulas
[...] companheiros de seleção brasileira/rivais na busca de índices. Passando por cima de tudo isso, como contou em ótima entrevista à Beatriz Nantes, no Esporte em Pauta, avançou à final do seu primeiro [...]
Deixe um comentário