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    23/07/2013 por Beatriz Nantes em Cobertura prova a prova, Home, Opinião / Sem comentários

    Há alguns meses circulou no facebook o compartilhamento de uma foto de Poliana Okimoto. A foto de uma piscina com a frase: “200 x 100 m ac 1’25 ! porque 100 x 100 m é para os fracos! — com Ricardo Cintra”.

    Esse post diz muita coisa, por vários motivos.

    Para começar, traduzindo para os não nadadores: um dos treinos fatídicos para qualquer atleta desse esporte é, durante a base (uma fase do treinamento), fazer 100 tiros de 100 metros, totalizando 10km nadando. Monotonia pouca é bobagem. Pois bem: Poliana é nadadora profissional, de nível olímpico. Para ela, seu treinador e marido, Ricardo Cintra, marcado na foto, reservou o dobro dessa série: 200 tiros de 100 metros, tendo que nadar e descansar a cada 1 minuto e 25 segundos. Uma conta fácil: esse treino, que totalizou 20km, dura pouco mais de 4 horas e meia. Nadando forte.

    Poliana é uma velha conhecida minha, embora eu nunca tenha falado com ela. Quando eu era petiz 2 (12 anos), e os azulejos da piscina eram meus melhores amigos, eu nadava borboleta e principalmente fundo. Só sonhava em quebrar a barreira dos 5 minutos nos 400 livre enquanto a Poliana estava sempre lá nos balizamentos e resultados de Paulista, ostentando o recorde paulista da prova, 4’41”48. Esse tempo foi feito em 1995. E dura até hoje. Nunca, no estado de São Paulo, uma nadadora de 12 anos foi mais rápida que ela nessa prova, em 18 anos. E isso se repete em outras provas e nas categorias mais acima. Quando o recorde foi estabelecido, Ana Marcela, prata hoje no Mundial, tinha apenas 3 anos.

    Mas ser bom quando você é jovem não garante muita coisa, falando em termos de resultados futuros. É cruel mas é verdade: pegue a seleção brasileira infantil que defenderá o Brasil no Multinations ou no Sulamericano. Poucos daí serão campeões brasileiros. Pouquíssimos chegarão à seleção brasileira absoluta. E pouquíssimos, muito provavelmente nenhum, será medalhista olímpico ou de Mundial.

    Poliana está nesse seleto grupo de nadadores que continuou forte depois de mais velha. Foi campeã brasileira dezenas de vezes. Mas não foi na piscina, e sim no mar – onde no começo ela tinha medo de competir – que ela passou a alçar voôs mais altos. Foi segunda colocada no Mundial de Maratonas Aquáticas, em 2006. Foi prata no PAN do Rio. Foi sétima colocada nas Olimpíadas de 2008. Foi bronze nos 5km no Mundial de 2009. Escrevo e não sei se as pessoas entendem o que significa ser medalhista de Mundial, mas também não sei como explicar. Acreditem: é muito grande.

    Volta para os 200×100. A foto foi postada no dia 30 de março de 2013. Quase oito meses antes, Poliana vivia um dos dias mais difíceis de sua vida: cotada para ser medalhista olímpica, depois de uma preparação extensa, desgastante, de treinar com homens e melhor do que muitos eles, Poliana sentiu muito o frio no Hyde Park em Londres, teve um quadro de hipotermia, e abandonou a prova nas Olimpíadas.

    Espertões de plantão que não sabiam nada sobre ela ou sobre essa modalidade fizeram piada sobre o frio. Comentaristas fizeram a pergunta pseudo inteligente “mas ela não sabia que ali ia estar frio? Como uma atleta olímpica não sabia disso?”. Psicólogos rasos relacionaram que o frio era psicológico e que talvez ela tenha amarelado. Aos 29 anos, muitos acreditaram que era o fim.

    E seu marido Ricardo Cintra voltou com ela para casa. E começou a treinar, tudo de novo. Hoje nós sabemos que deu certo, mas a crueldade de tudo é que naquele 30 de março, ninguém sabia.

    Hoje é um dia histórico para a natação brasileira, sem dúvida. Mas ele é muito mais bonito e maravilhoso para quem esperou por ele, sem garantia de vitória, nos outros 364 dias do ano.

     

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