“Tinha dias que eu estudava o dia inteiro, chegava em casa e não conseguia dormir. Meu corpo estava acostumado a correr, fazer esporte, de repente ficar parado, eu não tinha sono!”. Quem conta sobre o período de lesão é Guilherme Valadão, de 22 anos, ao final de uma tarde de aulas no Mackenzie, onde cursa Engenharia. Revelação do handebol nacional – esteve em todas as seleções das categorias de base, desde 2005, quando tinha 14 anos -, ele integrou sua primeira Seleção nacional adulta em janeiro. Depois de perder a temporada de 2012 praticamente inteira em função da lesão no joelho, a estreia aconteceu no Mundial da Espanha. O Brasil jogou bem e conquistou um inédito 13o lugar, permitindo boas expectativas para o ciclo olímpico que se inicia.
O início da trajetória é uma história bem familiar: Valadão começou jogando handebol aos 12 anos, na escola, durante as aulas de educação física – algo comum no Brasil. Natural de São Bernardo, ele estudava no Colégio Metodista. O técnico também dava aulas no clube e não demorou a notar o talento do jogador, chamando-o para o treino. Dois anos depois, Valadão estava na seleção brasileira infantil. E onze anos depois, continua defendendo o mesmo clube – uma das duas maiores forças nacional da modalidade, junto com o Pinheiros.
O que não é tão trivial é a evolução desde as categorias de base até o adulto. “Muitos jogadores param, alguns que foram da base comigo, porque precisam trabalhar ou estudar, é difícil viver disso. Me ajudou o apoio da família e do clube, que sempre deu bolsa de estudos, plano de saúde”. Além da falta de apoio, alguns jogadores não continuam evoluindo conforme sobem de categoria. Valadão não. Eleito destaque da categoria cadete masculina em 2007 pela Federeção Paulista, quando ainda era juvenil, ganhou o prêmio novamente em 2011 e é uma das apostas da comissão técnica para as Olimpíadas de 2016.
O Mundial
O Mundial de 2013 foi um marco importante nessa preparação – tanto para a seleção como para o jogador, que atua como armador esquerdo. Depois de não conseguir classificação para as Olimpíadas de 2012, o handebol masculino do Brasil fez uma campanha empolgante na Espanha, venceu adversários fortes, avançou para as oitavas de final e parou nessa fase depois de derrota por apenas um gol para a Rússia.
Valadão sintetiza bem a campanha: “Fomos crescendo dentro da competição. No primeiro jogo a gente começou bem, mas sentiu a falta de vivência e ritmo no segundo tempo. Quando vimos, eles [Alemanha] já tinham aberto 10 gols. No segundo jogo foi melhor, e conforme foi passando, fomos aprendendo a ficar tranquilos, colocar a bola debaixo do braço,e em outros momentos jogar o jogo veloz”, explica.
Esse segundo jogo já era tenso. O adversário foi a Argentina, com rivalidade que Valadão conhece bem das categorias de base. “Meu primeiro campeonato da seleção foi em 2005, infantil, e mesmo moleque isso já existia. Eu lembro que o jogo empatou e o critério de desempate era o saldo de gols, e a gente ficou atrás. No outro ano a gente treinou com tudo o ano inteiro, e quando chegamos no PAN, tinha aquela coisa da revanche. Acabamos ganhando de 21 gols de diferença, um placar muito elástico”. Além da rivalidade histórica, no Mundial o Brasil estava engasgado da derrota no PAN de 2011, em Guadalajara, que selou a classificação argentina para as Olimpíadas de Londres. Focada, a seleção venceu por 10 gols. “Foi ai que a gente cresceu no campeonato. Entramos no jogo querendo muito ganhar deles, e também querendo conseguir algo inédito no Mundial”.
Seguiram-se vitórias contra a Tunísia (no único jogo em que Valadão não entrou em quadra) e Montenegro, garantindo o terceiro lugar no grupo A e uma vaga nas oitavas de final. Na derrota por um gol para a Rússia, Valadão atuou como goleiro linha no final. “Além de jogar algumas vezes de goleiro linha na Metodista, o Jordi [Robeira, técnico da seleção] queria dar confiança para os mais novos, porque isso vai ser importante lá na frente, que era o objetivo mesmo. Crescemos muito na competição, e ele queria que nós da nova geração estivessemos em quadra”. Valadão relembra a trajetória na Espanha com tanta animação que às vezes não dá para lembrar que a convocação aconteceu depois de um ano complicado.
A lesão
Além de defender a Metodista, Valadão também joga pela faculdade, o Mackenzie. Em uma das faculdades de ponta que mais apoia o esporte em São Paulo, o atleta tem bolsa integral de estudos, e por isso joga também torneios universitários. A rotina inclui treinos de manhã, das 9h às 13h, e aulas no período da tarde e da noite.
Foi em um desses jogos pelo universitário que Valadão se machucou. “Foi uma besteira, um lance sozinho, escorreguei e cai. Eu tinha jogado dois jogos da temporada pelo Metodista, dois dias depois joguei esse do universitário e perdi o ano inteiro. Voltei só para os dois jogos finais”. Valadão rompeu o ligamento cruzado anterior e os dois meniscos, passou por cirurgia em abril e ficou o restante do ano em recuperação.
“Eu nunca tinha me machucado, às vezes eu caia, batia a cabeça, mas nunca nada sério”. Valadão conta que foi difícil ficar um ano parado. “Tem horas que você não acredita, quando não consegue fazer uma etapa da fisioterapia, não consegue correr. Mas muitas pessoas ajudam, quem já passou por isso. A família também foi importante na recuperação”. Apesar disso, ele diz que deve jogar novamente pela faculdade. “Pro clube é pesado, claro, mas eles também me apoiam. Eu tenho bolsa, tenho que jogar. Claro que mais tranquilo, para não acontecer de novo”.
A convocação, mesmo com condições físicas adversas – Valadão ainda não está 100% para jogar, o que deve acontecer este ano com fortalecimento e o fim da cicatrização – , faz parte do Projeto Olímpico da Confederação, visando os Jogos de 2016. “Junto com o COB a Confederação trouxe o técnico espanhol e fecharam patrocinadores até 2016. Até lá teremos viagens para adquirir experiência internacional”. Valadão é peça importante do projeto, junto com outros jogadores da nova geração, como Arthur Patrianova. “O técnico até conversava comigo no Mundial, explicava porque joguei menos que os outros, por estar nove meses sem jogar, mas que era importante estar lá”.
Ciclo olímpico
Valadão é consciente do momento do Brasil hoje, e empolgado com o ciclo olímpico. “Depois que vimos que a Rússia perdeu de um gol da Eslovênia, vimos que se a gente ganhasse poderia fazer um jogo bom com eles, e talvez chegar à semifinal. Ficou aquele gosto de quero mais. Não é que chegamos nas oitavas de final meio por sorte e perdemos de muitos gols. Mas a gente também tem que saber se colocar no lugar que a gente está. Não estamos ainda, temos que ser realistas, entre os quatro melhores do mundo. Está longe de ser campeão daqui a dois anos. Mas crescemos muito em dois anos, e sabemos que dá para crescer mais”.
A fala encontra eco na evolução dos resultados. Há dois anos, no Mundial disputado na Suécia, a seleção perdeu os cinco jogos da primeira fase e terminou na 21a posição. Fazia 14 anos da última (e única) vez que o Brasil havia chegado às oitavas de final, na ocasião perdendo para a Espanha por 10 gols de diferença. “Não vamos mais para jogar aquele campeonato de segunda divisão, dos que não se classificam. Vamos para brigar entre os 16. Daqui a dois anos, no Qatar, a gente já espera algo que era impensável. Se não dá para ser campeão, vamos para ficar entre os oito. O mínimo para nós é isso. Para quando chegar em 2016, dependendo de como for no Qatar, chegar para ficar entre os quatro. Se não conseguimos a evolução exponencial do feminino, vamos aos poucos”.
Valadão comemora o bom momento das meninas e enaltece o prêmio conquistada por Alexandra Nascimento, eleita a melhor jogadora do mundo ano passado. Hoje praticamente todas as jogadoras da seleção brasileira atuam fora do país, e muitas jogam no mesmo time, o Hypo, da Áustria. Já no masculino, são apenas dois jogadores atuando fora do Brasil, na Espanha. Valadão explica em partes a diferença. “A gente sabe que não jogar lá atrapalha. Na Europa todo jogo é muito importante. O líder ganha do último colocado por um ponto. Tudo é forte. Aqui não. Quando começa o campeonato a gente já sabe os quatro que estarão na semifinal, pelo investimento, pelos atletas, pelo patrocínio”.
E a ida dos jogadores do masculino para a Europa é mais complicada. “No masculino é diferente. A mão de obra, os atletas lá, tem nível superior ao nosso. No feminino talvez por elas terem estrutura física melhor que as outras, elas conseguem ir. No masculino não, eles tem estrutura física melhor que a gente, e também tecnicamente e taticamente, são melhores.Tem que se destacar muito num mundial para um cara do masculino ir embora. No feminino não é tanto, mas claro que é difícil também. Por isso o feminino cresce exponencial e o masculino cresce passo a passo.”
Mas Valadão não fala em tom de lamentação. Animado, fala sobre os treinamentos programados dentro do Programa Olímpico e exalta a experiência do Mundial. “A gente comentou, se a competição durasse dois meses a gente estaria entre o 4 primeiros. Qualquer jogo internacional é importante, qualquer jogo de alto nível, contra qualquer equipe. No Mundial a gente voltou com uma vivência como se tivesse jogado um ano inteiro aqui”.
2 Comentários
Isis
Vai VALADÃO!!!! rss
Beijooooooooooooooooooossss
21 fev 2013 11:02 am (@Twitter)
Nome claudinei
este e meu garoto, estarei sempre a seu lado, que venha 2016
22 fev 2013 10:02 am (@Twitter)
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