Isaquias Queiroz estampou as manchetes de jornais no sábado, dia 10 de agosto. Durante o Mundial de Canoagem, disputado em Moscou, na Rússia, o atleta brasileiro esteve prestes a se sagrar campeão quando se desequilibrou e caiu perto da linha de chegada. Foi na prova olímpica de C1 1000 metros, em que ele havia sido bronze no Mundial de 2013, melhor resultado da história da canoagem brasileira em Mundiais.
A imagem e o vídeo rodaram os principais portais de notícias, menos pelo resultado e mais pelo “pitoresco” da queda tão próxima à linha de chegada. Isaquias nem é Isaquias na maioria das manchetes, mas sim o “Brasileiro que tem ouro do Mundial de canoagem na mão, mas cai na remada final”. Piada pronta, né? Nos comentários, “Brasil sendo Brasil”, “Eu me pergunto porque brasileiro “amarela” tanto!”, “Gol, da Alemanha, rs.” e por ai vai. Uma prévia do que teremos daqui a dois anos nas Olimpíadas, quando os entendidos de plantão virarão entendidos nos 28 esportes olímpicos que serão disputados.
Antes de continuar: não acho que os atletas brasileiros são coitadinhos nem heróis incompreendidos, não acho que a grande imprensa e o futebol são grandes vilões por não haver espaço para “outros esportes”, não acho que para torcer para um esporte você precisa necessariamente entender dele e nem sou contra cobranças aos atletas. Mas acho legal e razoável que as pessoas saibam que Isaquias não é só “um brasileiro que tem ouro na mão”, que Poliana não “saiu da prova em Londres porque estava com frio” e etc. Como tudo na vida, se informar e entender um pouco sobre as coisas torna todas as histórias mais complexas e mais gostosas de acompanhar. O que não diminui o fato, é claro, de Isaquias ter cometido um erro no final da prova. Não dá para não dizer isso. Para além disso, vale conhecer a historia de Isaquias.
Natural de Ubaitaba, na Bahia, Isaquias é um fenômeno da canoagem brasileira já há algum tempo. Estamos falando de um esporte com pouca tradição no Brasil, que tem no nono lugar de Sabastian Cuatrin, um argentino naturalizado brasileiro, seu melhor resultado em Olimpíadas. Foi Isaquias quem teve os melhores resultados do país na modalidade desde então.
Ele começou na modalidade aos 11 anos, quando ingressou no projeto do governo federal Segundo Tempo. Antes disso, seu sonho era ser jogador de futebol. “Eu acho que o sonho da maioria dos brasileiros, quando jovens, é jogar futebol, para ter seu nome reconhecido. E o futebol é o esporte que mais traz esse reconhecimento no país“. Aos 14 anos, Isaquias saiu da Bahia e foi para São Paulo treinar, período em se bancava sozinho, com sua mãe mandando dinheiro e colocando foco total nos treinos.
Desde cedo os resultados foram muito fortes, dominando os campeonatos nacionais e sul-americanos de categoria. Em 2010, ele participou da primeira edição das Olimpíadas da Juventude e terminou em quinto. Foi medalhista nos Pan-Americanos de canoagem e, em 2011, conquistou a primeira medalha do Brasil a nível mundial da modalidade: ouro no Mundial Junior. Dois anos depois, abriu mão de defender o título para disputar o Mundial adulto. Resultado: duas medalhas, um bronze em prova olímpica (c1 1000m, essa mesma em que caiu ontem) e ouro em prova não olímpica. Esse ouro foi repetido hoje, quando sagrou-se bicampeão do C1 500, para alegria de quem adora uma história de “redenção”. Ele ganhou ainda um bronze ao lado de Erlon Souza na prova de C2 200, também não olímpica.
No facebook, ele postou:
Procurando reportagens antigas sobre ele, além dessa excelente entrevista do Esporte Essencial, achei declarações interessantes de seu técnico, o espanhol Jesús Morlán. O renomado treinador foi contratado pelo COB para auxiliar na preparação da canoagem visando os Jogos de 2016.
“O Isaquias sempre teve um potencial enorme, mas ainda tinha que entender que era um caminho longo de quatro anos de preparação para os Jogos. Então ainda faltava um pouco de paciência, ele queria tudo instantaneamente, mas em pouco tempo conseguimos trabalhar essa ansiedade dele”, conta o treinador. Ele também comenta que o baiano sofreu com o trabalho árduo, mas depois de ser campeão mundial entendeu que o sacrifício valia a pena.
Outro episódio interessante envolvendo o atleta foi seu “desabafo” nas redes sociais, após o ouro no Mundial do ano passado. Nele, ele fala que nada em sua vida mudou financeiramente, diz que está triste, que pensou em abandonar o esporte e voltar a ser “aquele moleque travesso”, e comenta de um amigo do Equador que ganhou uma casa após ser ouro em etapa da Copa do Mundo. O desabafo é forte e vale ser lido.
Já pensei bastante sobre essa questão da premiação para atletas. Não acho que alguém deve ganhar uma casa por ganhar uma medalha e entendo que hoje em dia há sim apoio ao esporte olímpico brasileiro – não da forma certa, uma vez que o investimento vem sendo feito no esporte de alto rendimento em buscas exclusivamente de medalhas em 2016, para sustentar uma boa colocação no quadro de medalhas, que pode até vir mas não significará que somos uma potência esportiva. Mas que há mais investimentos hoje dia, isso é inegável.
O ponto é que, lendo a história de Isaquias, entendo sua frustração. Acho que ele tem toda razão em cobrar mais atenção, em “denunciar” os erros da Confederação, compreendo sua “impaciência por um resultado” como o técnico colocou. Estamos falando de um jovem de 20 anos, que saiu de casa aos 14, que vê no esporte uma forma de mudar de vida e que luta diariamente para um resultado. O esporte no Brasil não podia ser diferente do que é o Brasil e suas desigualdades de todos os tipos. Não digo isso de forma piegas, nem pintando Isaquias como um “coitadinho”. É só uma constatação de como funciona o esporte olímpico no Brasil.
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