No rugby, o jogador com a camisa 10 é conhecido como Abertura. Para ocupar a posição, é necessário visão de jogo e boa execução de fundamentos. É o abertura que vai distribuir a bola, ditando a velocidade do jogo e o caminho que a equipe vai seguir na partida, “abrindo” a bola que chega a ele pelo Half-Scrum. No campo, Fernando Portugal, 31 anos, atua como Abertura (joga como Centro também) no rugby XV. Hoje capitão da seleção de Sevens, Portugal foi um dos primeiros brasileiros a jogar rugby fora do país, abrindo caminho para os demais, e é um dos poucos que consegue viver razoavelmente de rugby no Brasil (ainda que não somente de treinar). Portugal recebeu o Esporte em Pauta no campo do Bandeirantes, onde treina e atua como coordenador técnico do time juvenil.
Com 1,84m de altura, Portugal fala sobre rugby com seriedade, paixão e conhecimento técnico. Terminada a Olimpíada de Londres, o rugby passa a dividir as atenções na cobertura de esportes olímpicos. Incluído nos Jogos em decisão tomada em 2009, o esporte faz sua reestréia em 2016, na modalidade sevens, onde ao invés de 15, sete jogadores atuam no mesmo campo, em dois tempos de sete minutos. Fernando joga nos dois, como boa parte dos jogadores do Brasil. Sem dramatizar, ele comenta a situação amadora que prevalece no rugby brasileiro. “Ainda não é certo que o Brasil tenha uma vaga por ser o país sede. Existe a possibilidade, mas também existe uma de que tenhamos que entrar em uma qualificação. Se precisasse, hoje, fazer uma seletiva mundial, a gente não chegaria entre os 12 primeiros, de jeito nenhum”. Mas a situação está melhorando, e a inclusão do rugby nas Olimpíadas fez toda a diferença.
“Muita gente apaixonada pelo rugby, que tinha deixado o esporte para fazer outra coisa, começou a reservar um tempo a mais pra trabalhar com rugby, imaginando que poderia virar um meio de vida, tanto no meio da gestão, como para treinador”, comenta. Ele emenda fazendo uma comparação: “A gente vê as outras modalidades reclamando que estão nas Olimpíadas e não tem estrutura, reclamando do pouco que tem. E a gente está comemorando o pouco que a gente tem. Porque realmente vivíamos em um cenário de escuridão completa. Não tinha saída. A coisa mudou, o esporte vai crescer muito nesses próximo anos”.
Hoje, a maioria dos clubes do país treina duas vezes por semana em campo – inclusive os jogadores da seleção, depois de trabalhar durante o dia. Recentemente, a Confederação Brasileira fechou uma parceria com a província de Canterbury e sua equipe local, os Crusaders, da Nova Zelândia, um dos países mais tradicionais na modalidade. Focada no alto rendimento, a parceria vai até 2017 e é essencial para o aprimoramento da Seleção rumo a 2016. “Nos próximos quatro anos precisamos muito disso, profissionalizar, talvez no nível de Seleção apenas. Nos clubes não vai acontecer tão cedo. Esse trabalho que os neozalandeses estão propondo, do jeito que está não tem como. Os jogadores vão precisar parar de trabalhar por um tempo, mas para isso vão ter que ganhar para isso. Isso está bem próximo na seleção”.
Vaquinha
Portugal começou a praticar rugby em São José, cidade do interior de São Paulo onde morava na infância. Um amigo o convidou para um treino por ser “grandão”, e ele acabou ficando. “Fui e treinei sem entender nada, nunca tinha visto um jogo na vida. Mas o ambiente é muito amistoso, então todo mundo quer que você fique, todos te tratam bem”, relembra. Desde então, sua vida passou a girar em torno do rugby, que ainda tem condições amadoras no país – Fernando se diz “teimoso” por querer viver de rugby. “Fiquei muito tempo, alguns anos, estudando para passar em Medicina. Mas na verdade acho que era mais uma desculpa para não trabalhar e poder jogar”. Quando caiu na real, pressionado pelo pai, Fernando foi para São Paulo cursar Fisioterapia em uma faculdade particular, com bolsa por jogar pelo time de rugby. Paralelamente, dava treinos para o time da faculdade de Direito da USP, e assim se mantinha em São Paulo, revezando com os treinos no São José, duas vezes por semana.
Foi nessas idas semanais ao interior para treinar que ele alimentava o sonho de jogar fora do Brasil, junto com o amigo Erick, conhecido como Putin. O desejo de jogar fora do país era antigo. “Eu já tinha ido para a França uma vez com uma turnê do São José, ficamos 15 dias, e levei todas as minhas coisas achando que um clube ia me chamar para ficar, na época tinha 18 anos. E não fiquei. Como jogava desde cedo na Seleção, sempre alguém falava que ia arranjar um time fora, na Irlanda, País de Gales. O tempo foi passando, eu fui acreditando, e nunca aconteceu nada, até o dia que eu decidi ir”. Foram os alunos da Direito-USP que ajudaram a comprar a passagem, de 2.400 reais, para viajar para a Itália, onde Putin tinha um tio. Sem contrato assinado ou contato, em 2005 os dois bateram nas portas dos clubes que ficavam próximo à casa do tio. Recebidos com ceticismo pelos técnicos, por conhecer o nível do rugby brasileiro, eles conseguiram treinar. Erick machucou a clavícula no primeiro amistoso e voltou para o Brasil, enquanto Portugal ficaria dois anos.
No primeiro ano, Portugal recebeu casa e trabalho, como pedreiro. Apenas no ano seguinte conseguiu se profissionalizar. “Para não ficar a toa só treinando, eles me colocaram nesse Projeto Escola, que era dar aula de rugby nas escolas da região. Dava treino pra criancinhas de 5 a 15 anos de idade”. Perguntado se existiria espaço para um projeto como esse no Brasil, Portugal explica sobre o tag rugby, um rugby com fitas, onde ao invés de derrubar, os jogadores ficam com uma fita, que precisa ser puxada para o jogador parar, evitando o jogo de contato do rugby tradicional. “Isso já tem dentro dos CEUs aqui, á instituição Urra que faz. É o caminho, aliás, o único pra entrar na grade das escolas. Se um menino está correndo e cai, e estava com a bola de rugby, mesmo que não tenha tido um contato, isso vai dar problema. Se ele quebrar o pé num carrinho de um jogo de futebol, não tem problema. Mas se quebrar brincando de rugby, vai”, conta, citando uma experiência que passou com crianças de sete anos.

Até o ano passado, Portugal dava treino para universitários. Parou para conseguir se dedicar mais ao treinamento, decisão viabilizada pelo patrocínio da Topper, que patrocina, além dele individualmente, a Confederação Brasileira de Rugby. “Ano passado foi o ano em que eu mais dei treino. Foi complicado porque estava ganhando uma grana de treino, mas era ano de PAN e queria ter me preparado um pouco mais. No final o resultado do PAN não foi legal, acho que podíamos ter aproveitado mais. Como a Topper me deu a oportunidade, me dei ao luxo de parar esse tipo de trabalho, porque eu ficava até meia noite, 1h da manhã, dando treino”. O resultado a que ele se refere é o PAN de 2011, em que o Brasil terminou na sétima colocação. “Tinha Canadá e EUA, que são equipes profissionais, bem estruturadas, com muitos recursos, e tinha a Argentina, que foram os três primeiros. Do Chile ganhamos uma e perdemos outra. Do Uruguai perdemos de placar apertado, 5×0, que é como se fosse 1×0 no futebol. Ganhamos da Guiana e empatamos com os EUA por 19×19, e contra Argentina não jogamos. A única diferença monstruosa foi contra o Canadá, que foi 45×0, e mostrou o abismo entre os dois. Competitivamente, o Brasil foi muito bem, mas terminou em sétimo, então não foi legal”.
Em maio deste ano, Brasil e Argentina se enfrentaram no Sulamericano de Rugby XV. O placar de 111 a 0 repercutiu imediatamente na mídia. “Primeiro tem que distinguir o seven e o XV. No seven a gente ganhou um jogo deles. Talvez não ganhe nos próximos anos, mas estamos competitivos. No XV a diferença é gritante. Fazia 20 anos que não jogávamos contra Argentina no XV. Então, perder de 111, 150, 100… a gente estava em campo contra eles. É uma vitória para o Brasil ter adquirido o direito de jogar contra a Argentina. Agora, o placar é esse”, comentou Portugal. A Argentina participou de todas as seis edições da Copa do Mundo de Rugby disputadas até hoje, e tem como melhor colocação o terceiro lugar, alcançado em 2007, na edição disputada na França. No sevens, das cinco edições, os argentinos também estiveram em todas, e tem como melhor colocação a final de 2009, ocasião em que perderam para País de Gales.
“Eu acreditava até que ia ser um pouco mais. Porque a realidade entre as duas estruturas é um abismo, não dava para esperar menos. Na minha opinião foi bom, achei que ia ser mais”, continua, voltando ao placar elástico. Da seleção argentina hoje, de 30 jogadores, apenas dois jogam no país, onde o profissionalismo também engatinha. A diferença é que praticamente todo o time joga fora do país. “Se fizesse uma seleção com quem joga na Argentina, não chegaria nem perto do que eles tem”, explica.
Veja aqui a íntegra da entrevista.
Por Beatriz Nantes
Colaborou Fabio Moraes
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