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  • O choro de Federer

    01/02/2009 por Beatriz Nantes em Memória, Tênis / Sem comentários

    Uma situação curiosa do esporte é que, na vitória, os atletas tem a oportunidade de viver duas vezes o ápice de sua consagração: uma no momento exato em que sua vitória foi alcançada – o ponto final, o apito do árbitro, o resultado no placar, a nota anunciada pelos juízes. Momentos depois, o mesmo atleta vive a magia da premiação, de receber sua medalha, levantar a taça, receber sua recompensa pelo trabalho realizado. Já vi atletas falarem que o primeiro momento é incomparavelmente melhor, pois trata-se da felicidade no seu estado mais bruto e uma êxtase que muitas vezes é o que impulsiona a fazer tudo de novo somente para sentir de novo a mesma sensação. Outros preferem o pódio: é o momento em que todos os olhos se voltam somente para ele, e muitas vezes é a partir disso, do sonho materializado em um objeto, que se passa a acreditar que ele de fato aconteceu.

    A particularidade do tênis é que nele, mais do que em qualquer outro esporte, o segundo colocado é também exposto duplamente ao momento de comemoração – mas como derrotado. Ele difere de esportes em que três competidores são coroados com medalhas, mas também difere de disputas entre dois times, porque neste caso há uma equipe inteira que amarga a derrota. No tênis não. É um duelo de horas entre dois indivíduos, e no final o cerimonial é claro: deve-se cumprimentar o adversário na rede e, na premiação, os dois falam ao público.

    Hoje, na final do Australian Open, primeiro Grand Slam do ano, se enfrentaram não apenas dois indivíduos, mas os dois melhores tenistas em atividade, e não seria exagero batizar Federer X Nadal como o maior duelo esportivo da atualidade. Além disso, para delírio do circuito de tênis, um esporte que se pretende um jogo de cavalheiros, os dois tem comportamento impecável nesse quesito. Amigos, sempre se cumprimentam gentilmente no final do jogo, e Nadal insiste em dizer, mesmo quando ganha, que Federer é o melhor jogador de todos os tempos.

    Nadal sagrou-se campeão pela primeira vez na Austrália, título que Federer já conseguiu três vezes. Federer viu Nadal viver seu primeiro ápice, caindo no chão com os braços abertos, e rapidamente levantando para cumprimentar o oponente suiço. Talvez o mais cruel desse esporte não seja nem mesmo a obrigatoriedade de falar na premiação, mas a espera, sentado, na quadra. Para os espectadores é o momento de euforia, de gritar e aplaudir de pé o campeão; este se vê rodeado de glórias, e para todo lugar que olhar ao redor do quadra, haverá alguém o saudando como vencedor. Do outro lado, o tenista derrotado precisa esperar. E por mais que abaixe a cabeça, ele faz parte dessa mesma festa e escuta os gritos e aplusos da torcida, esperando que fossem pra ele, mas não são. Federer já experimentou os dois lados da estória – assim como Nadal – mas hoje o suiço não aguentou.

    Quando ouvi Federer, na premiação, dizendo que aquilo era muito difícil para ele, imaginei que ele, como sempre, diria que Nadal era um adversário duro e não tinha dado para ele dessa vez. Mas Federer não conseguiu falar. “Deus, isso está me matando”, foi uma frase sincera e difícil, e o suiço não aguentou e chorou. Não um choro contido, e não o choro do campeão, que sempre emociona – Federer desabou em frente ao mundo inteiro e só conseguiu falar depois, mesmo assim muito emocionado. Já vi atletas chorarem após derrotas – em entrevistas, pedindo desculpas para a  torcida, sentados no campo, abraçados aos companheiros, escondidos no banheiro. Mas nunca tinha visto alguém chorar tão genuinamente e principalmente, nunca vi ninguém lamentar uma derrota e me parecer tão sozinho.

    Federer não chorou para se desculpar, para sentirem pena dele, não creio nem mesmo que por perder um torneio de Grand Slam, ou por ter estado irreconhecivelmente mal no último set. Federer chorou para ele mesmo. Não cabe a ninguém dizer o porquê do choro, talvez nem ele saiba, os palpites são muitos: Federer percebeu que não consegue mais ganhar de Nadal, vislumbrou que, mesmo com o dobro de títulos de Grand Slam, pode ser que o espanhol seja quem esteja mais perto de conquistar as quatro edições do torneio, pensou em como antes era fácil e agora de difícil tudo parece ser impossível. Pode ter sido tudo isso, nada, uma combinação de todos esses fatores. Ou pode ter sido o que é crucial e mortal para um atleta: Federer ficou em dúvida. Em todos aqueles momentos de espera, e depois na entrega dos troféus, acho que Federer consigo mesmo se colocou em dúvida: será, que algum dia, eu vou ganhar desse cara de novo? Não vejo sentimento pior para qualquer pessoa do que duvidar de ser capaz de fazer algo que já fizera. Para um atleta, é infinitamente pior do que perder sabendo que podia ter ganhado: nesse caso, há sempre a possibilidade de uma próxima vez – como, obviamente, há para Federer – mas a partir do momento que duvida de si mesmo, o mundo, os títulos já conquistados, os prêmios e o dinheiro que possui por alguma razão desaparecem e o atleta se vê sozinho, com a dúvida, sua pior companheira.

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