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  • Derrota de Pistorius reacende polêmica das próteses

    10/09/2012 por Rui Barboza Neto em Atletismo, Notícias, Opinião / 3 Comentários

    Alan Fonteles, o excelente atleta brasileiro da categoria T44, conseguiu dois feitos nestes Jogos Paralímpicos. O primeiro foi a inesquecível medalha de ouro nos 200m rasos na categoria, e o segundo foi ter acabado com o encanto de Oscar Pistorius. E é sobre este segundo feito que pretendo discorrer nas próximas linhas.

    Oscar Pistorius dispensa apresentações. As mídias nacional e internacional não cansaram de colocar em suas manchetes este atleta. Tudo isso em função dele ser o primeiro bi-amputado a disputar uma edição de Jogos Olímpicos. Apegando-se aos termos “superação”, “exemplo de vida”, “batalhador” e outros parecidos, a imprensa e o público em geral deixaram de lado alguns pontos importantes do caso e não levantaram a questão das próteses darem vantagem ou não ao atleta.

    Derrota para Alan Fonteles reacendeu polêmica sobre próteses

    Para quem ainda não leu algo relacionado a esta polêmica seguem algumas informações. As próteses de Pistorius pesam 50% menos do que um membro de um atleta não amputado. Isso faz com que seus movimentos no ciclo de suas passadas sejam mais rápidos. Para se ter ideia ele move suas pernas 15,7% mais rápido que a média de 5 recordistas mundiais dos 100m. Isso tendo um tempo de contato com o solo maior que a média de velocistas. Para quem não está habituado, para um atleta melhorar sua velocidade, ele tem que reduzir este tempo de contato com o solo. Se Pistorius consegue mover suas pernas mais rápido mesmo com um tempo maior de contato no solo, algo nele tem de diferente que lhe traz uma vantagem.

    Além disso, seu gasto metabólico acaba sendo consideravelmente menor em relação aos outros corredores de 400m. E o que eu penso ser uma das provas incontestáveis que Oscar leva vantagem nos 400m frente a atletas que não são amputados: a diferença entre seus melhores tempos de 100m e 200m comparada com seu tempo dos 400m. Pistorius tem como melhor tempo nos 100m 10.91s, nos 200m 21.30s e nos 400m 45.07s. Vale a ressalva de que quando ele fez 45.07s nos 400m seu melhor tempo de 200m era de 21.41s. Uma rápida comparação, Bolt tem como melhor 100m 9.58s, nos 200m ele praticamente dobra seu tempo e corre para 19.19s. Dobrar o tempo dos 100m nos 200m é algo realmente dificil. Pistorius não só dobra, como corre meio segundo abaixo do que seria o dobro do seu tempo de 100m nos 200m. Impressionante! Tão impressionante quanto era Michael Johnson, o melhor atleta que conseguia sustentar essa velocidade por mais tempo, correndo 0.86s abaixo do que era o dobro do seu tempo de 100m nos 200m.

    Estamos falando da lenda Michael Johnson. Mas Pistorius põe Michael Johnson no chinelo quando o assunto é relação tempo de 200m/400m. Johnson tem 19.32s nos 200m e correu 43.18s nos 400m, seguindo a linha do dobro do tempo pelo dobro da distância, Johnson corre 4.5s acima deste dobro. Pistorius corre apenas 2.5s acima! E se considerarmos o tempo de 200m dele quando correu 45.07s essa diferença cai para os impressionantes 2.25s. Basta notar que seu tempo de 200m bateria por apenas 4 centésimos o recorde mundial da prova na versão feminina, já nos 400m ele pulverizaria com mais de 2.5s este recorde feminino. Fica muito evidente que algo não acontece com ele que acomete os outros corredores não amputados.

    Por que a IAAF e o COI deixaram Pistorius participar de Mundial e Jogos Olímpicos? Para embasar minha opinião/resposta sobre isso quero citar antes mais um caso que pouco foi debatido nos veículos de comunicação. Este ano, na final olímpica do revezamento 4x400m masculino houve uma decisão da arbitragem inédita no atletismo. A equipe da África do Sul correu a final sem ter tempo de qualificação. A final foi composta por nove equipes, o normal são oito. Tudo isso porque na semifinal um dos integrantes da equipe sul-africana foi derrubado e não conseguiu completar o percurso. A regra 163-2 da IAAF diz que nestes casos o árbitro geral pode determinar que a prova seja corrida novamente ou permitir uma nova corrida numa final desde que o atleta ou equipe tenham terminado com esforço autêntico. Não foi o que aconteceu. A equipe sul-africana não completou a prova e mesmo assim entrou com um recurso alegando que o melhor tempo deles feito no ano os colocaria na final. A IAAF acatou, permitindo assim aos sulafricanos participarem da final, como já dito, uma decisão inédita. Apenas pra constar, a equipe da África do Sul chegou em último lugar na final, quase um segundo e meio atrás da penúltima colocada, a Venezuela.

    Além desta decisão ser pouco debatida nos meios de comunicação, outro fato inusitado ocorreu nesta final que foi uma das mais disputadas da história dos Jogos. Bahamas e EUA fizeram um duelo digno de uma disputa pelo ouro. Vale a pena ver e rever essa final inúmeras vezes. Esta disputa deveria ter um destaque gigantesco na imprensa. Mas não foi o que se viu. Pela primeira vez uma equipe que termina em oitavo lugar teve o mesmo destaque midiático que as duas que chegaram na frente. E quem assistiu deve ter observado o esforço que as câmeras de TV tiveram pra tentar enquadrar Pistorius com os primeiros colocados durante a última perna do revezamento.

    Citado o caso, dou minha opinião/resposta da pergunta feita acima. Pistorius participa destes grandes eventos porque a comoção popular com sua situação dá muita audiência. A equipe da qual ele participa pode entrar numa final sem ter seus méritos para tal pois com ele há mais audiência.

    Só que agora Alan Fonteles apareceu e aparecerão outros, pois Pistorius conseguiu ser exemplo pra essas pessoas, inspirando outros amputados a buscarem o feito que ele conseguiu. Prova disso foi a declaração do campeão dos 100m na categoria de Pistorius, o britânico Peacock, que assumiu tê-lo como exemplo. Nesta derrota para Alan, Pistorius não só perdeu o lugar mais alto do pódio, mas também sua defesa. Ele que sempre negou que suas próteses lhe dariam vantagem, ao término da prova alegou que Alan ganhou por ter vantagem nas próteses! Tudo bem que depois ele se desculpou e voltou atrás na sua declaração, mas este ato falho reacendeu a polêmica. Isso, mais a insistência da delegação Sul-Africana em enviar uma carta ao CPI (Comitê Paralímpico Internacional) pedindo uma investigação nas próteses de alguns atletas, mostra que a história de que as pernas biônicas não influenciam o resultado é algo em que nem eles próprios acreditam.

    Logo mais IAAF e COI estarão numa sinuca de bico, pois não demorará para outros “Pistorius” alcançarem índices para Mundiais e Jogos. Quando este número aumentar, estas entidades terão um problema na mão, pois não poderão mais negar os estudos que comprovam que com próteses os bi-amputados têm vantagem em relação aos outros atletas que não são – principalmente na prova dos 400m, onde a segunda metade da prova dói menos para quem usa as pernas biônicas do que para os que não usam.

     

    Rui Barboza Neto é bacharel em Esporte pela Escola de Ed. Física e Esporte da USP, treinador de atletismo e preparador físico da Associação a Hebraica de São Paulo. Foi comentarista do UOL nas provas de salto com vara e em altura

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    • Alan Fonteles
    • Oscar Pistorius

    3 Comentários

    • Rui

      Pra quem quiser conferir, segue um excelente texto do meu amigo Balu com os links dos estudos relacionados. http://revistacontrarelogio.com.br/blogs/recorrido/2012/09/04/de-pistorius-proteses-e-mau-perdedor/

      10 set 2012 10:09 am (@@Rui2000)
      Responder
      • Nome Yuji

        Rui, faltou na sua análise algumas variáveis que são fundamentais no desempenho da corrida. Enviei um artigo que podemos discutir melhor após vc o ler.
        Esse tipo de debate é muito positivo

        Abs

        10 set 2012 04:09 pm (@Twitter)
        Responder
        • Recorrido » Leituras de 6a Feira

          [...] colunista do UOL, meu amigo Rui Barbosa, fez um texto juntando o que diz alguns estudos e estatísticas sobre o sulafricano que derruba a tese de que as próteses não o beneficiam. Mais importante, toca num assunto [...]

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