Fernando Ernesto Santos teve no Maria Lenk de 2013 a melhor competição da sua vida. O atleta do Corinthians saiu do Rio de Janeiro com vaga para o Mundial de Barcelona, conseguindo pela primeira vez um lugar na competição mais importante da natação junto com as Olimpíadas. Nadador de costas, ele passou a nadar também crawl quando foi treinar nos Estados Unidos em 2010, e desde então passou a dar mais atenção para as provas de 100m e 200m livre.
Natural de Presidente Prudente, Ernesto saiu de casa aos 16 anos e nunca integrou uma seleção brasileira nas categorias de base. Nesta entrevista, ele fala sobre sua motivação para continuar nas fases difíceis, a mudança de postura nos últimos anos, sua relação com o técnico Carlos Matheus, o que passou na sua cabeça quando viu que foi segundo no 100 livre e o significado de nadar para 48”72: “Meus ídolos, os caras que eu via pegando medalha olímpica, alguns nem fizeram isso, e agora eu estou fazendo. Provando para mim que a gente não tem que colocar barreiras”.
Já está definido como será a decisão da vaga do 100 livre? [Ernesto empatou com Nicolas Oliveira na segunda colocação do 100 livre no Maria Lenk. Os dois estão garantidos no revezamento 4x100 livre, mas precisarão disputar a vaga para a prova individual]
Sim. A gente chega no dia 20 de julho em Barcelona, e decidimos no dia 22. Vai ser um tiro, quem bater na frente leva.
Sua preparação está voltada para isso?
Na verdade estou me preparando para o Mundial. Não adianta eu ganhar a vaga e não fazer nada. Lógico que um dia antes a gente não vai treinar forte, já vai estar no descanso. Mas estamos visando o Mundial, e isso vai estar no caminho. Não chega a ser uma rixa, somos amigos. Infelizmente só tem uma vaga. O importante é fazer o melhor para o Brasil.
E os dois vão nadar o revezamento…
É, acho que esse foi o principal motivo pra não ter resolvido ainda. Se não tivesse revezamento, ia decidir antes. Por mim, resolveria no sorteiozinho até… mas não tem o que fazer, então vamos pra cima.
Você vai nadar o revezamento 4×200 livre também. Nas categorias de base você nadava costas, e depois começou a nadar bem o 200 livre e agora o 100. Como foi isso?
Quando eu fui para os EUA, em 2010, não conseguia treinar costas como antes, porque doía um pouco meu ombro. Lá eles tem costuma de nadar muitas provas, então o coach [Alex Pussieldi] começou a me colocar para nadar o 100 e 200 livre. Na primeira competição que nadei 200 livre, o Lochte ganhou com 1’51, e eu fiquei em segundo com 1’52, que não era um tempo ruim na época. Não dava mais tempo de me inscrever na prova para o Maria Lenk, mas inscrevi para o Finkel e fiz o índice do Mundial de curta. Foi ai que eu comecei a treinar crawl. E tem mais vagas, por causa do revezamento. Mas achei que era fácil né? Falei “Po, nadei a primeira vez e peguei Mundial…”. Mas não é fácil.
Depois voltei para o Brasil, pra treinar no Corinthians, e continuei insistindo mais no crawl, fui entrando cada vez mais no bolo. O resultado está aí. A gente percebeu que estava dando bons tempos, começando a chegar num alto nível. Mas ainda tem muita coisa para melhorar. Eu continuo nadando costas, mas agora o programa do Maria Lenk e Finkel ficaram ruins para algumas provas, que ficaram logo depois do crawl. Mas foi bom porque abriu meu leque, acabei virando mais versátil.
O 100 livre foi uma surpresa? Você estava treinando mais para o 200?
Eu estava treinando para o 200, na verdade crawl. Só que como eu sou um pouco mais pesado que o pessoal que treina 200 aqui no time, principalmente na reta final o Carlos comecou a me dar umas coisas mais rápidas, treinos mais de velocista. Acabou andando as duas provas, isso foi muito bom. Se eu treinar só para o 100, não nado o 100. Mas se treinar pro 200 e no final especificar um pouco para o 100m, consigo nadar as duas. Eu não passo tão rápido, mas volto forte.
Você esperava aquele tempo no 100 livre?
Três semanas antes eu dei 49”6 numa tomada de tempo no Pinheiros que já era meu melhor. O objetivo era 49” baixinho ou 48” alto para garantir o revezamento, não ficar dependendo só do 4×200. E para nadar para 48”alto tava perto do índice. Agora 48”7 eu fiquei bem surpreso.
Para último dia de competicão…
Também, último dia de competição. Eu fiquei bastante surpreso. Porque era um tempo, que por exemplo, o Gustavo Borges não fez esse tempo, o Fernando Scherer fez 4 centéimos abaixo. Meus ídolos, os caras que eu via pegando medalha olímpica, final de Mundial. E hoje eu tô fazendo esse tempo. Provou pra mim que a gente acaba colocando barreiras, e se não colocar fica tudo mais fácil.
Que tempo você viu primeiro? Como percebeu que tinha empatado?
Eu vi primeiro o meu. Foram frações de segundo: cheguei e vi 72 e já sai xingando, achei que tinha sido 49”72. Logo vi todo mundo comemorando e falei nossa, 48…. Ai vi o Marcelo [Chierighini, que ficou com a primeira vaga], abracei ele. Quando a poeira baixou eu fui ver quem ficou em 3o. “Tem dois segundos!”. Vi assim que tinha empatado. Acabou que o pessoal da Sportv deu mais mídia para mim e para o Nilo do que para o Marcelo que fez o 3o melhor tempo do mundo na época.
É claro que você quer nadar bem lá, mas nadar seu primeiro Mundial deve ser a realização de um sonho. Quando você mentaliza a competição, o que vem na sua cabeça?
O Mundia de longa é sempre mais cobiçado. Para mim era um sonho que virou objetivo, mas não deixa de ser um sonho. Depois que eu consegui a vaga, nadando ou não o 100 livre, eu tenho que pensar em fazer meu melhor. Essa é a cabeca que eu tô indo. Treinando muito bem, focado, competi bem nas competições preliminares, em Santa Clara [GP dos EUA] e no Sette Colli [competição na Itália]. O tempo, a colocação, é resultado da minha melhor saída, melhor virada. Isso que a gente chama de “step by step” e eu to trabalhando com meu psicólogo, com a comissão técnica: fazer a melhor saída, a melhor transição, pensar em cada movimento. Pensar em executar tudo na melhor forma, e não no resultado final.
Se o revezamento nadar sério, vocês devem chegar na final. Consegue se imaginar numa final de Mundial?
É… tem que imaginar! Juntar os quatro e fazer muito bem feito, todo mundo dar o melhor. O 4×100 livre é um revezamento que tem muita tradição, e faz um tempo que está deixando um pouco a desejar. Com esses quatro que estão, acho que dá para entrar na final, e na final é outra história, cada um pode se superar um pouquinho, o adversário pode vacilar. Mas é um sonho mesmo. Um sonho que virou objetivo, não é um bixo de sete cabeças, todo mundo que está lá já passou por isso uma vez na vida, tem que encarar da melhor maneira.
Você nunca pegou seleção brasileira de categoria e chegou pela primeira vez na seleção em 2010. Em algum momento chegou a pensar em parar de nadar?
Na categoria tinha o Guido um ano mais velho. Juntava dois anos e ele sempre pegava seleção. No ano que eu fui lá e ganhei a prova no Brasileiro e ia, o Leonardo Guedes nadou muito e eu não peguei a seleção. Eu sempre coloquei para mim mesmo que eu queria chegar em algum lugar, e principalmente na Olimpíada. A do ano passado escapou por 50 centésimos. É até muito para 100 metros, mas eu achei que dava. Não foi o caso.
Eu não desisti, principalmente, porque quando eu sai de Prudente falaram que eu não ia conseguir. Acho que isso sempre serviu de motivação. Por que eu não vou conseguir? Por que eu não posso? Natação é um pouco injusto às vezes, você treina às vezes melhor que os outros, mas treino não ganha jogo. Essa não classificação para as Olimpíadas me fez repensar toda trajetória, porque eu não parei quando não pegava seleção de categoria, porque não parei quando fiquei quase 2 anos sem resultado expressivo. Me fez trabalhar muito meu lado psicológico. Eu tinha certeza que meu físico estava muito bem em todas as competições, mas o lado psicológico não. Foi onde começou a reviravolta.
Você treinava nem e não conseguia fazer o mesmo na competição?
Eu treinava muito bem, competia bem, mas sempre acabava a competição com um ar que “faltava” algo. Acho que esse Maria Lenk foi a primeira competição que eu sai pensando “Missão cumprida”. Mas não me acomodei. Senti o gostinho e você não quer sair. Mas se manter é muito difícil também. Em 2009 eu ganhei o 200 costas, foi minha primeira vitória, mas fiquei a poucos centésimos do índice de Roma. Foi bacana, mas faltou algo. Ano passado para as Olimpíadas eu melhorei todos os resultado, mas não peguei a vaga do revezamento, então faltou algo. Dessa vez eu senti que nadei muito bem, o 200 livre, o 50 costas, o 100 livre, os revezamentos, e ainda calhou de fazer o índice e pegar o revezamento.
Foi a melhor competição da sua vida…
De longe. Mas todas as outras foram muito importantes, as que nadei bem, as que não nadei, para eu chegar onde eu to agora. E tem muita lenha para queimar.
Você foi para os EUA enquanto nadava no Santa, em 2010. Por que voltou?
Engraçado que eu sai para os EUA no ano que ganhei o Maria Lenk, então não é que eu estava nadando mal. Mas eu sentia que precisava de mais, e era um sonho ir para os EUA. Queria ver qual era a mágica de lá. E vi que não tem segredo, é treino. Mas eu mudei muito meu pensamento, falo que virei nadador de verdade lá. Fiquei mais competitivo, nadava contra Lochte e grande nomes em qualquer competicão. Eu acho que fui porque não tinha mais nada para tirar do Santa, achava que ia me acomodar. E foi o mesmo lá para voltar. Tenho certeza que se não fosse eu não conseguiria executar bem os treinos do Carlão aqui. Não arrependo nem um pouco de ter ido, acho que foi a melhor decisão da carreira ter ido e ter vindo na hora que voltei.
E você se adaptou bem ao treino do Carlão.
Ele é muito sangue nos olhos, tem muita paixão pelo que faz, e passa isso para a equipe. Coincidência ou não, a gente nasceu com um dia de diferença. Temos muita afinidade, a personalidade casou. Natação é um esporte muito solitário, exige muito, é chato de treinar. Você trein muito para nadar uma semaninha. Precisa ter alguém te puxando, te colocando para cima, pegando no pé, e motivado principalmente. Eu uso uma frase com ele: “a vontade de se preparar tem que ser maior que a vontade de vencer”. E nós somos muito parceiros nisso, deu muito certo.
Como é sua rotina? E no descanso?
Chego no Corinthians as 7h30, de segunda a sexta. A gente aquece e faz exercícios que o fisioterapeuta bola. Caímos na água às 8h e treinamos em média até as 10h30. Segunda, quarta e sexta tem musculação das 11h às 12h30 – 13h, e temos dobra. Terça e quinta fazemos exercícios de fisioterapia para prevenção, mobilidade de quadril e de coordenação. Sábado a gente vem 7h normalmente, e domingo folga.
Sobre sair, tem que ser profissional. A gente trabalha com performance, nosso corpo é nosso instrumento de trabalho. Quando era mais novo isso interferiu muito, de 17 a 19 anos, hoje eu sou bem tranquilo. Costumo sair de final de semana para jantar, dia de sábado e domingo o nutricionista dá uma liberada, até para não ficar doido, mas não dá para enfiar o pé na jaca. Mas a um mês da competição a gente regra também de fim de semana. Acho que maior que é o certo você adquirir mais essa postura de atleta, tem que ter uma vida diferente. Ou você aceita isso e segue ou dificilmente vai ser bem sucedido.
Como foi a saída de Prudente?
Eu sai com 15, 16 anos. Na época achei uma maravilha morar sozinho. Minha mãe chorava de preocupação, sabe como é mãe né? O começo foi difícil mas não de treino, de adaptação, porque eu morava com meninos mais velhos que saíam e as vezes ficava sozinho – ganhava muito pouco e meu pai não tinha como ficar bancando. Mas foi muito importante para o que eu sou hoje, não só como atleta mais principalmente como pessoa, passar as dificuldades que eu passei e chegar onde cheguei. Não foi fácil, mas eu faria tudo de novo.
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