Claire e Teresa não fizeram nada o dia inteiro. Não foram ao treino. Era dia 25 de outubro e elas passaram a manhã e tarde jogadas em casa, na Philadelphia, Estados Unidos. Tinham perdido o irmão, Fran, há dois dias.
Ele morreu nadando.
De noite, sentadas e conversando com os pais, Claire e Teresa decidiram que iriam treinar no dia seguinte. “Nós não queriamos na verdade. Mas pensamos que o Fran iria querer que nós voltassemos para a piscina. Se ele soubesse que a gente ia parar de nadar por causa dele, ficaria tão bravo. E nós mantivemos isso na cabeça para sempre”.
Em julho deste ano, Teresa ficou em quarto nos Trials dos EUA para a prova de 200 borboleta, ficando fora da equipe olímpica por 1.7 segundos.
Fran Crippen tinha 26 anos quando foi nadar a penúltima etapa da Copa do Mundo de maratonas aquáticas – esse mesmo circuito que a brasileira Ana Marcela ganhou agora, há poucos dias. Ele começou a prova com chances de levar o título do circuito. Tinha vencido a etapa do México uma semana antes.
Ao final dos 10km, seu amigo Alex Mayer, do time americano, percebeu a ausência de Crippen. Foi ele quem avisou da falta de Frank aos organizadores, que depois de mais de uma hora acharam seu corpo no mar. As investigações conduzidas pela FINA concluíram que Crippen morreu de stress e fadiga. Depois da tragédia, a FINA estipulou em 31 graus a temperatura máxima da água para realização de provas de maratonas aquáticas. O limite estipulado pela USA Swimming é de 29,5 graus. Na mesma ocasião em que Crippen morreu, outros nadadores, incluindo o brasileiro Allan do Carmo, foram hospitalizados e sofreram para completar a prova.
Crippen era um dos melhores maratonistas do time americano, e unanimidade no time como exemplo de dedicação e amor à natação. Ele participou dos Trials dos EUA em 2000 e 2004, chegando à final quatro vezes. Sua melhor posição foi o quinto lugar na prova de 400m, na seletiva para Atenas-2004 (só dois atletas por prova nadam as Olimpíadas). Dois anos depois, uma prova de maratona aquática mudaria suas prioridades na natação.
Classificado para o 400 livre no Pan Pacífico em 2006, Fran aceitou nadar também a prova de maratonas, de 10km – foi sua primeira vez nesse tipo de evento, aos 22 anos. Ele ficou em segundo. A partir dai, passou a se dedicar mais às maratonas: ganhou o PAN em 2007 e treinou muito forte para os Trials de 2008, dessa vez para a prova de 10km, que fazia todo sentido para um fundista como ele. Ficar fora da seleção olímpica em 2004 e 2000 (ano em que sua irmã mais velha, Maddy, entrou para o time e representou o país em Sidney) foi difícil. Mas nada comparado a ficar fora em 2008, como aconteceu.
Fran ia parar de nadar depois disso. Ficou meses sem treinar, voltou para sua cidade, começou a procurar emprego. E foi ai que ficou evidente o quanto ele ainda queria nadar.
“Everytime I say ok ‘lets get this job, or look for that school’, I always thought about swimming. I knew in my heart that I could be faster. It’s hard to describe the feeling in your heart when you know you can do better. That’s what I was feeling and i continue to feel. That’s what makes me get up and train and go faster. I know I can do better”. [Todas as vezes que eu pensava “ok, vamos procurar um trabalho ou estudar”, eu sempre lembrava da natação. Eu sabia no meu coração que podia ser mais rápido. É difícil descrever o que você sente no coração quando sabe que pode fazer melhor. Era isso que eu sentia e o que eu sinto hoje. É isso que me faz acordar e treinar. Eu sei que posso fazer melhor]
Frank voltou a treinar em sua cidade, na academia onde sempre nadou e com Dick Shoulberg, que treinou a ele e a suas três irmãs desde sempre. Com ele foi campeão nacional e bronze no Mundial de Roma em 2009, a principal competição da modalidade depois dos Jogos Olímpicos.
“Every time I thought about what was going to happen, I knew I still wanted to swim, and I knew I could swim better. I did. That’s what I celebrate. The medal is nice, but it’s the journey, not the end result” [Todas as vezes que eu pensava sobre o que ia acontecer, eu sabia que ainda queria nadar, e eu sabia que podia nadar melhor. Eu sabia. É isso que eu comemoro. A medalha é legal, mas é a jornada, não o resultado final].
É muito difícil assistir a essa entrevista até o final, de onde tirei as primeiras aspas. Crippen fala, com o mar ao fundo, sobre como se sentia uma criança novamente e esperava animado pelos próximos dois anos até as Olimpíadas de Londres, onde quem sabe, depois de 12 anos e três tentativas, ele conseguiria sua vaga no time americano.
Hoje eu reforço o pedido de Mike Gustafson, excepcional colunista do USA Swimming: “If you love swimming as much as Fran did, make today’s practice the best you’ve ever had”
Se você ama natação tanto quando Fran amava, faça hoje o melhor treino de sua vida.
Beatriz Nantes é criadora do Esporte em Pauta e apaixonada por natação deste que se entende por gente
1 Comentário
Joao Baroni
Nunca me considerei fã de esporte algum, e mesmo para mim, ler seus textos e conhecer as histórias dos atletas é emocionante.
Parabéns!
23 out 2012 06:10 pm (@Twitter)
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