Desde pequenos, aprendemos que o principal no esporte é não desistir. Seja depois de uma derrota, seja durante um treino difícil, ou depois de seguidades decepções. As frases motivacionais, os técnicos, os pais nos ensinam que, muito pior do que perder, é desistir da luta. Essa é provavelmente uma das maiores lições que o esporte ensina, e que transcende para toda vida.
Hoje Poliana Okimoto, cotada para ganhar medalha na maratona aquática nas Olimpíadas de Londres, abandonou a prova depois de cerca de 6km. Com quadro de hipotermina, ela saiu da água quase desmaiada, e saiu coberta e em uma cadeira de rodas. Acreditei que, pelas imagens fortes, a atleta seria poupada de questionamentos sem sentido, para esse caso em específico. Mas a generalização do “abadonou = amarelou; perdeu = amarelou e ganhou = guerreiro” pesou mesmo em um caso como esse.
Quero deixar claro que os atletas não são coitados. Para mim esporte é uma coisa séria, então deve ser olhado de forma séria. Nem todos que perdem devem ser louvados como vencedores só por estarem lá, nem todos que perdem o fazem de forma honrosa, alguns de fato não sabem lidar com a pressão e deveriam, porque são profissionais. Não gosto nem do discurso extremista da amarelada, nem do extremo do “coitados, não tem investimentos”. Mas colocar tudo como se fosse a mesma coisa é muito leviano.
Não quero entrar no mérito do caso da Fabiana Murer. Cheguei a usar o caso para dizer que são muito diferentes, porque Poliana ao menos entrou na prova e tentou (uma chinesa nem chegou a pular na água e desistiu antes). Mas na verdade nem sei se eram diferentes de fato, não sou especialista e não sei quais eram os riscos de Fabiana se saltasse, não posso opinar – seria leviano também, deixo para que os que entendem de atletismo façam isso.
Sobre Poliana, sim, haviam riscos. Poliana é muito magra, tem pouca gordura no corpo, e a temperatura da água estava muito fria, contrastando com a do ambiente. “Estava frio para todas”. Sim, estava. “Ela devia saber disso”. Sim, devia – e sabia, já tinha até alertado para isso antes da prova. Podemos então questionar se ela fez a preparação certa, se não deveria ter ganhado gordura nos últimos tempos, se não deveria ter treinado mais em água fria. Conheço um pouco a preparação da Poliana, por conhecer pessoas que treinaram por anos com ela, e sempre ouvi que ela treina exaustivamente. Mais do que homens, sem cansar, sem reclamar da metragem. Poliana é uma atleta única em uma natação feminina brasileira que ainda precisa melhorar demais, principalmente na postura de treinamento – não estou generalizando e temos meninas que treinam demais, mas o comprometimento é, de fato, diferente do que vemos no masculino, como o Thiago Pereira falou. No caso de Poliana, não. Ela treina como homem, mesmo.
Apesar de tudo isso, ela e seu técnico podem de fato ter errado alguma coisa. Não acho que é o caso e vejo essa prova como uma fatalidade, mas esse é um tema que pode e deve ser abordado, questionado, e não tenho a menor dúvida que ninguém mais do que os dois, que vivem para isso, o farão.
Por outro lado, me causa espanto que seja questionado o motivo porque a atleta abandonou a prova. “Será que foi só o frio?”, ou “O frio é o novo vento”. Mesmo com a imagem da atleta carregada após a prova, como histórico de uma morte de um atleta de elite em uma prova de maratonas aquáticas há dois anos, com o risco real de que acontecesse algo mais sério, ainda vejo pessoas, inclusive ex atletas, se perguntando se não há um motivo obscuro que a tenha feito “desistir” (amarelada? preguiça? cansaço? Uma atleta da África do Sul também abandonou e saiu andando, tranquila, aparentando apenas cansaço, bem diferente do que houve com Poliana).
Quando Frank Crippen morreu, ninguém falou que “a água estava quente para todos, por que só ele morreu?”. Mas apenas porque a tragédia já estava consumada. As pessoas tendem a adotar o ceticismo nesses casos: as explicações são sempre “desculpas”. Se Crippen abadonasse, a manchete na época seria que ele “abandonou por água quente”,e diríamos: meu Deus, por calor? Quem abandona por água quente? Mas ele morreu.
Para quem não conhece a história, Crippen, dos EUA era um dos melhores maratonistas aquáticos do mundo, bronze no Mundial, campeão pan-americano, cotado ao ouro em Londres. Morreu em 2010, na etapa final da Copa do Mundo, em uma água muito quente em Dubai. Não era um amador fazendo uma prova sem organização adequada e sem treinamento específico. Era um dos melhores do mundo, em uma das competições mais importantes do mundo. Pasmém, essas coisas acontecem, infelizmente.
Não sei até que ponto Poliana foi hoje, mas acredito que bem além dos limites. Ninguém desiste de cara. Ainda bem que ela parou a tempo. Seria lindo se ela conseguisse terminar mesmo com toda situação adversa, e alguns podem achar romântico pensar que o Crippen morreu fazendo o que amava, morreu sendo um guerreiro.
Eu tenho certeza que não vale a pena.


Beatriz Nantes é criadora do Esporte em Pauta, nadadora até os 17 anos e apaixonada por natação desde que se entende por gente
1 Comentário
Nome Alexandre Pontes
Sabe, concordo com a autora: morrer, não vale a pena… existem outros tantos projetos de vida que podem ser muito bem executados depois de uma desistência, como aconteceu. Quantas pessoas podem ser orientadas, ajudadas etc. e tal se a pessoa está viva. Mas, se ela está morta, como isso se concretiza? A Poliana nunca deixará de ser uma campeã por ter desistido.
10 ago 2012 06:08 pm (@Twitter)
Deixe um comentário