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  • A história de Poliana Okimoto

    17/03/2014 por Beatriz Nantes em Home, Natação, Personagens / Sem comentários

    Por Beatriz Nantes e Carolina Moncorvo

    Início da Carreira.
    Comecei a treinar fundo com 12 anos. A nadar mesmo, foi com apenas 2 anos de idade, mas com 12 que eu descobri que eu era fundista. No início, entre meus 7 a 11 anos, eu era muito ruim, um terror. Quando eu não chegava em último, eu vibrava. Mas naquela época, as provas eram curtas: 25 metros, no máximo 50. Então, desde pequena minhas fibras rápidas não demonstravam. Quando comecei a poder competir 400 e 800 livre, comecei a ficar melhor. No petiz 1, eu já ganhei o Paulista, com recorde paulista. No petiz 2 e infantil comecei a me destacar nacionalmente.

    Sempre curti nadar, desde pequena. Entrei nas aulinhas com meu irmão mais velho. Minha mãe achava fundamental que a gente aprendesse a nadar. Só que ele não gostava, então se escondia, saía na rua, fazia o diabo para não ir às aulas. Já eu, brincava de achar ele, porque eu amava ir na natação, eu pedia pra minha mãe para ir nadar. Se fosse pelo meu irmão, ela teria desistido. Mesmo na época que eu terminava em último nas provas, eu gostava de nadar, de estar na turma… nunca deixei de ir pro treino por nada, sempre gostei muito.

    Foto poli 14 anos

    Poliana com 14 anos, defendendo o Corinthians

    13 anos – Primeiro Troféu Brasil e primeira medalha no absoluto.
    Eu era muito pequena, eu lembro bem de ver as meninas mais velhas. A que ganhava na época era a Luciana Sagae. Ela nadava também no Munhoz, mas em outro horário, depois do meu treino. Eu ficava vendo o treino do pessoal mais velho e ficava admirada com ela, com a Celina Endo, com o Angelotti. Nesse período, o Munhoz tinha bastante nadador de fundo, era impressionante. Me ajudou muito ter esse espelho na equipe.

    Nesse Troféu Brasil de 1996, foi minha primeira participação em Campeonatos Absolutos. Eu estava totalmente fora do ar, estava junto só com o pessoal mais velho. Era engraçado, eles me chamavam de bebê. Eu era o chaveirinho mesmo da equipe. Nessa ocasião, eu terminei em 4º nos 800 livre. Me lembro que foi por muito pouco, quem ganhou foi a Juliana Filipini. Já no Finkel, no final desse mesmo ano, consegui minha primeira medalha, terminei em terceiro nos 800, foi bem legal.

    O meu treinador na época era o Ismar Barbosa e ele era super bravo. Mas ele me ensinou bastante. Hoje, sou uma alteta disciplinada e dedicada, muito em razão dessa minha base. O Ismar me ensinou muita coisa mesmo. Eu lembro que, por ser muito nova, eu não entendia, mas hoje eu dou muito valor. Sou extremamente grata por tudo que ele fez por minha carreira. Depois que ganhei essa medalha, ele falou: “Poliana, está vendo essa medalha? Olhe bem para ela e curta. Amanhã você ponha na sua gaveta e esquece dela.”

    O que eler quis dizer: ganhou? Legal, parabéns, mas vamos continuar, porque ainda tem muita coisa pela frente. Na época foi difícil. Pô, tinha 13 anos, ganhei uma medalha, eu queria curtir! Mas foi um aprendizado imenso. Hoje, um dos nossos lemas é: “Nem muito feliz com a vitória e nem muito triste com a derrota”. É importante haver um equilíbrio das emoções. Quando a gente fica muito feliz, esquecemos de acordar cedo e continuar treinando. Quando a gente perde, o mundo também não vai acabar por causa disso, terão mais competições e você poderá dar a volta por cima. Então isso foi um aprendizado que levo pro resto da vida.

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    Primeira medalha no absoluto, com 14 anos

    Treinos
    Eu treinava muito. Cheguei a fazer umas loucuras, sempre me cobrei muito, fosse em competições de categoria ou absoluto, mas sempre gostei de treinar. Eu queria ganhar e o Ismar é muito rígido. Eu acordava às 4h30, caía na água às 5h, saía, comia no carro, ia pra escola, saía da escola, almoçava dentro do carro e ia novamente pro treino. Então, na época, eu treinava por volta de 5km pela manhã, mais uns 7km à tarde. Isso já com 13 anos.

    Sonho de Olimpíadas
    O Ismar acabou sendo contratado pelo Corinthians em 1997, então ele levou toda a turma do Munhoz para treinar com ele lá, e comecei a representar o clube.

    Era meu sonho ir pra Olimpíada. Eu e o Ismar pensávamos muito em Atenas 2004. Nessa época, faltavam 3 anos para Sydney, mas eu não me lembro de pensar em ir pra lá, já pensávamos em Atenas. Sempre colocávamos os objetivos à longo prazo. Ele me mandava escrever as metas de curto e longo prazo. À longo, sempre foi Olimpíadas. O problema é que os índices das provas longa de piscina eram (e são) bem fortes.

    Quando mais, melhor?
    Nadar provas longas não foi bem uma preferência. Foram as provas que eu me dava melhor. No início, não tinha prova de 1500. Então, eu nadava 400 livre, 400 medley, 800 livre e 200 livre. E não tinha jeito, era sempre progressivo: os 200 eram ruins, os 400 bons, os 800 eram sempre melhores. E eu treinava para os 800 mesmo. Como eu sempre mostrei resistência nos treinos e competições, não foi questão de preferência, foi o que Deus quis. Mas eu gosto.

    Mudança de treinador.
    Em 2000, comecei a representar o Vasco. A gente voltou a treinar no Munhoz, então não fazia muita diferença qual clube eu representava. Era a mesma turma, o mesmo técnico, só competia pelo Vasco. A única diferença era quem patrocinava, mas o resto era igual. Mas acabou o projeto do Vasco, então ficamos 4 meses sem receber. Foi bem difícil. Na época, eu não recebia muita coisa, mas era uma ajuda para minha família. Eu precisava do dinheiro. Foi uma época bem complicada pra gente. Tivemos que focar em terminar o ano competindo muito bem, porque precisávamos mostrar resultado para arranjarmos uma equipe que nos contratasse.

    Em 2001, voltamos para o Corinthians, toda nossa turma. Mas mudamos de treinador. Foi quando treinei com o Bezerra. Os treinos dele eram bem longos. 10 mil metros de manhã, 10 mil metros à tarde. Foi nessa época que treinei, em média, mais de 100km por semana.

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    Com o técnico Bezerra (2001)

    No primeiro ano, cheguei a nadar bem. Fiz índice para o Mundial de curta em Moscow, que iria acontecer no ano seguinte. Mas no segundo ano (2002), comecei a decair muito, porque não aguentava mais treinar. Além de muito longo, era muito maçante.

    Em 2001, comecei a fazer Psicologia. Comecei o 1º semestre, mas não gostei e parei. Fiquei só fazendo curso de inglês. No ano seguinte, comecei a fazer letras na USP. Em 2003, transferi minha faculdade para Santos, pois comecei a treinar na Unisanta.

    Mudança de treinador 2
    Em 2003, comecei a treinar com o Márcio [Latuf]. Passei por um momento extenso, que simplesmente não baixava mais meus tempos. Nessa época, não pensava mais em Olimpíada, sinceramente. Mesmo faltando um ano para Atenas. Pensava apenas na próxima competição, em terminar minha faculdade. Quando conheci o Ricardo [Cintra], em 2003, pensava em continuar ganhando uma grana para continuar namorando ele e morar em Santos, era mais ou menos isso. Não pensava mais nos meus rendimentos, pensava que no dia que eu concluísse a faculdade, iria parar de nadar.

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    Primeira passagem pela Unisanta (2003)

    Mudança de treinador 3
    Fiquei só um ano na Unisanta. Em 2004, continuei em Santos, mas comecei a treinar na Unimonte, competindo pelo Pinheiros. O Ricardo ainda nadava. Foi engraçado porque ele também começou a treinar na Unimonte e estava procurando uma equipe para representar. Ligou para o Albertinho, perguntando se ele não estava precisando de um velocista. “Velocista não, mas da sua namorada eu estou”. Foi nessa negociação que comecei a representar o Pinheiros. O técnico que me dava treino na Unimonte tinha vários compromissos, não era totalmente focado na natação. Então, o Ricardo começou a pegar alguns treinos pra mim, porque o treinador faltava muito.

    Hora da mudança definitiva
    Faltando 15 dias para Finkel de 2004, ele sumiu do mapa. O Ricardo falou assim: “É minha responsabilidade você ter saído da Unisanta, estar competindo pelo Pinheiros, o que eu vou fazer agora?” E começou a me dar treino! Ele tinha acabado de parar de nadar. E fomos vendo o que dava para ser feito. Nesse mesmo Finkel, eu nadei razoável, lembro que fui a melhor brasileira nos 800 e 1500.

    A partir de então, ele começou a pegar todos os treinos. Em 2005, ficou nesse mesmo esquema. Já em 2006, fizemos parceria com o [Fernando] Vanzella, que também era treinador do Pinheiros. Ele que fazia os treinos, daí o Ricardo passava pra mim em Santos. Aprendemos muito com isso. Daí em 2007, começamos a tocar só nós dois.

    Início nas Maratonas
    No final de 2004, ele viu a Travessia dos Fortes na televisão. A Monique [Ferreira] que ganhou. Estava muito frio. Lembro de assisti-la saindo da água tremendo, com cobertor. O Ricardo estava em Santos e eu em São Paulo na casa da minha mãe. Me ligou e falou:

    “Liga a TV. Ano que vem, você vai fazer essa prova!”
    “O quê? Não vou não!”
    “Vai sim, são 10 mil reais de prêmio! 10 mil dá conta do nosso orçamento do ano inteiro!”

    O tempo passou e eu pensei que ele ia esquecer. Chegou 2005, chegou a travessia… ele lembrou. Vamos lá então…

    Me inscreveu. Só que não tínhamos dinheiro pra nada! Nem para viajar pro Rio. Nosso orçamento era fechado, se fugisse do programado, entravámos em dívida. Mas conseguimos um patrocínio de um nadador Master, que treinava na Unimonte. Ele falou: “Eu te pago, você vai e ninguém te cobra nada.”

    Chegando lá, estávamos na véspera da prova e fomos treinar no mar, pois não tínhamos nenhuma piscina. Dei duas braçadas e saí chorando. Falei:

    “Não vou conseguir nadar, vai ter um tubarão. Ele vai me comer, tenho certeza! Eu vou morrer.” Pensei que não dava, que não era pra mim.
    “Tá bom, vamos embora sem competir. A gente fica aqui e amanhã assistimos as meninas ganharem 10 mil reais.”

    Lembro que não dormi a noite inteira. E quando eu fico nervosa, começo a empipocar. Fiquei a noite toda empipocada, me coçando. Daí no dia seguinte, cheguei lá e tinham 4,5 mil participantes. Muita gente! Fiquei totalmente perdida. Era tanta gente, que acabei indo.

    Eu já havia nadado algumas vezes em Caraguatatuba. Algumas provas pequenas. Na Travessia dos Fortes eram 3,8km. Nadei forte, ganhei e bati o recorde da prova. Então, Ricardo disse que havia sido anunciado que as Maratonas Aquáticas iriam fazer parte dos Jogos Olímpicos de Pequim e também no próximo Pan-Americano, que seria no Rio. Mas eu sabia que não ia rolar pra mim. Eu competi 3,8km, nas Olimpíadas, estamos falando de 10km. Mas ele via que nos treinos eu tinha muito mais resistência do que para uma prova de 1500m. Mas mesmo assim eu achei que não dava. No ano seguinte, resolvemos fazer o Circuito Brasileiro de Maratonas.

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    Campeã na segunda Travessia dos Fortes (2005)

    Primeiras Disputas
    …E lá fui eu perder o medo de mar. Era muito difícil pra mim, não era frescura. Tinha um grupo de treino na Unimonte, de triatletas e maratonistas, então comecei a treinar muito no mar com eles. Nos primeiros treinos eu ia e ficava claustrofóbica. Meu coração batia mais que em série de A3. O pessoal me ajudou bastante. Fui perdendo o medo, fomos fazendo o circuito. Na primeira prova, lembro que perdi para Ana Marcela. Na época, ela tinha apenas 14 anos! Eu estava com muito medo, mais ainda que na Travessia dos Fortes, do ano anterior. Lembro que colei nela a prova inteira e perdi no final. Essa prova foi em Porto Alegre, em um rio de lá. Eu e o Ricardo, chegando na cidade de avião, vimos o rio. Eu olhava pensando: “vou nadar nesse rio? Cheio de mato do lado? E se sair uma capivara?”. O Ricardo me deu um esporro: “A gente vem até aqui, gasta uma grana, pra você ficar com medinho?”.

    A prova seguinte foi em Floripa, no mar. Como os homens e mulheres saíram juntos, fui acompanhando os homens (eu precisava sempre estar do lado de alguém, por causa do medo) e ganhei o feminino. E assim foi indo, fui melhorando. Comecei a fazer provas, que entrei pensando no percurso, não mais no medo.

    Primeiro Mundial
    No fim de 2006, classifiquei pro Mundial, em Nápole. O primeiro Mundial. Chegamos lá, o Brasil era tido como café com leite, como se fosse a Bósnia no futebol. Cheguei para nadar e consegui a prata nos 5km. Eu mesma fiquei: “não acredito que consegui fazer isso”. Foi a primeira medalha feminina em um Mundial de Esportes Aquáticos! Foi super histórico, em todos os sentidos. Pra mim foi muito mais que eu imaginava. Nos 10km, a coisa mudou, eu já estava mais visada. Todos ficaram de olho em mim. Na época, a prova ainda era iniciada dentro d’água. A menina russa que ganhou a prova dos 5km, para onde eu ia antes da largada, ela ia atrás de mim. Quando deram a partida, dei duas braçadas e ela me deu uma cotovelada no ouvido. Senti uma dor horrível, ficava pensando se parava. Mas pô, eu tinha sido prata no 5km, e a prova dos 10km que realmente importava, queria saber se ia conseguir ficar entre as 10 primeiras, já que ia se tornar uma prova olímpica.

    Comecei lá atrás, porque a pancada mexeu com meu labirinto. Fui melhorando durante o trajeto, cheguei em 2º, sentindo muita dor durante toda a prova. Não consegui me alimentar em nenhuma volta. Eu estava enjoada, se comesse algo eu iria vomitar, que para mim é a pior coisa do mundo, pior até que nadar no mar. Perdi para a mesma menina.

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    Quando saí da água, não consegui ficar em pé. O chão parecia uma onda, parecia que estava bêbada. O Ricardo me secou e reparou que estava saindo muito pus do meu ouvido, a ponto de pingar! O médico que estava conosco não tinha o instrumento específico para verificar, mas ao ver sangue e pus, já sabia que o meu tímpano tinha sido perfurado e que estava infeccionado. Na volta de avião para o Brasil, sofri muita dor, por causa da pressão. Primeira coisa que fiz quando cheguei foi ir ao médico e ele disse que um quarto do meu tímpado havia sido perfurado.

    Na minha melhor forma, vice-campeã mundial em duas provas, eu teria que ficar parada 3 meses para me recuperar, sendo que no ano seguinte tinha Pan. Fizemos de tudo para não ter que operar, mas não teve jeito. Fiquei 1 mês sem cair na água, depois voltei com tampão. Corria na praia, fazia spinning, fazia perna, tudo para tentar manter o condicionamento.

    Volta aos mares e Pan-Americano
    Em 2007, eu participei de 3 seletivas, ganhei as 3 e fomos para o Pan do Rio. Eu fui com apenas 6 meses de treino, por causa da operação. Mas foi muito bom, fui prata novamente. A maratona abriu um caminho pra mim, que há alguns anos eu não podia imaginar. Meu objetivo era terminar a faculdade e começar a trabalhar… E eu devo tudo primeiramente ao Ricardo, porque foi ele que viu essa porta se abrindo, me incentivou, me deu um empurrãozão.

    Vice campeã no PAN de 2007 (Foto: Satiro Sodré)

    Vice campeã no PAN de 2007 (Foto: Satiro Sodré)

    Treino no mar
    Durante as provas, não lembro de nada. Mas se for para treinar no mar, principalmente sozinha, sinto muito medo ainda.

    Todas as principais nadadoras do mundo treinam em piscina, porque no mar perdemos noção de ritmo, não sabemos quanto nadamos. Eu e o Ricardo conseguimos aliar o treino em piscina, voltado para as Maratonas. E as provas do Circuito Brasileiro e Copa do Mundo servem como treinamento também. Cada mar é diferente, cada dia é diferente.

    Experiência com a maré
    Antigamente tinha um pouco mais de importância, saber da maré, porque o circuito era muito grande, eram poucas voltas de muitos quilômetros. Mas hoje, a maioria das provas mais longas possuem várias voltas e não chegam em alto-mar. Além das provas de 1,5km do circuiro, a maioria é de 2,5km. Então maré não influencia tanto.

    Mas tem provas, como a de Portugal, que tem uma perna totalmente a favor, e a outra contra. Na Argentina também. Isso depende muito da nossa sensiblidade, por isso é bom participar bastante das provas. A gente está falando da natureza, às vezes não era para a maré mudar, mas muda. A gente tem que sentir.

    Desvantagem Física
    Eu acho que o Mundial em 2006 me deu um toque. Eu era totalmente indefesa e não sabia me proteger. Depois disso, comecei a pensar mais em me proteger. Qual a minha vantagem? Minha técnica, meu nado. Se eu quiser bater de frente com as adversárias, vou perder, porque sou menor. Todas, no contato físico, vão ter vantagem sobre mim. Eu procuro sempre me proteger e não entrar em contato com ninguém.

    Puxão de pé
    Rola muito! Mas nunca puxei ninguém. Primeiro, porque se você for pega, é desclassificada na hora. Alguns juízes, principalmente em virada de bóia, que é a hora que o bicho pega mesmo, não vêem tudo o que rola lógico, mas eles estão de olho e estão bem em cima, porque é desleal. É totalmente contra o espírito esportivo. Tudo o que aprendi desde pequena com o esporte, não vou me sujar por causa de um milésimo… prefiro ficar na minha.

     2008, Olimpíadas de Pequim – a primeira
    A classificação para Pequim foi bem complicada. Foi em Sevilla, a água estava muito fria. Eu e a Ana Marcela tínhamos que chegar entre as 10, se quiséssemos nos garantir. Nós duas estávamos em ótima fase e era o único modo de duas nadadoras do mesmo país irem para Pequim: chegar entre as 10 primeiras. Passei a primeira volta em quinquagésima e pouco. A segunda volta eu estava em trigésima e tanto. Terceira volta já estava entre as 20. E cheguei em sexto na seletiva.

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    Pequim 2008: Sonho realizado

    Consegui a vaga para minha primeira Olimpíada. Depois de tantos anos lutando, conseguir a vaga foi muito bom. Pequim foi uma experiência incrível. Foi uma Olimpíada inesquecível, foi lindo. Mas tratando-se da minha prova, acho que faltou um pouco de experiência no mar. Acho que poderia ter sido melhor. Claro que é mais fácil ver agora, pois na hora tentei fazer o meu melhor, tanto que saí satisfeira, por ter feito tudo o que eu podia. Mas eu sei agora que faltou, eu tinha só 2 anos de Maratonas.

    Apoio
    A partir de 2008, foi o meu melhor ciclo. Até Pequim ainda era bem difícil, mesmo tendo melhorado depois de 2006. O apoio foi aumentando de acordo com os acontecimentos: primeiro foi falado que ia ser olímpico, depois a medalha do Mundial e do Pan. Fui valorizada, me abriu portas. A Confederação começou a olhar as Maratonas com outros olhos. Sempre que há medalha envolvida, o apoio começa a ser melhor. De 2006 a 2008 melhorou, de 2008 para 2012 melhorou muito e de 2012 pra cá, nem se fala. Conforme fomos tendo mais resultados, fomos recebendo mais apoio. De 2006 pra 2008 era só eu, no ciclo para Londres, já tínhamos chance de classificar 4 nadadores, agora somos a melhor equipe do mundo.

    Reflexo nas piscinas
    Foi muito louco. Eu fiquei anos sem melhorar o tempo na piscina, aí quando começo a nadar Maratona e esqueço um pouco piscina, começo a melhorar na piscina também. Acho que esse casamento meu e do Ricardo, nao só fora, mas dentro da água, foi essencial. Ele é muito observador, sabe muito o que eu tô precisando. Ele está 100% em cima de mim, sabe como eu estou me sentindo em casa. Muitas vezes o técnico vê o atleta dentro da piscina, mas não sabe o que se passa fora. Ele sabe o que faço. Ontem, tive compromisso com patrocinador, tive que ir para o Rio e voltar. Cansa. Um técnico que não vê isso, não sente na pele. E ele sente bem, porque ele vai comigo.

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    Melhor nas piscinas: campeã do 800 livre no Maria Lenk 2010

    Treinando sozinha
    Tem vários momentos. Tem vezes que é ruim, principalmente em feriados, quando está tudo meio paradão. Mas no dia-a-dia eu nao ligo se estou sozinha ou não. Se tem uma pessoa do meu lado, com um nível bem parecido com o meu, é bom. É difícil encontrar alguém não muito melhor, porque os meninos são muito melhores ou são de categoria de base. E no feminino, as meninas estão um pouco abaixo. É difícil dosar. Em todo esse período que estamos juntos, teve uma época que fizemos uma equipe de Maratona e triatletas, em Santos, no Sest Senat. O Andrew Azevedo foi um atleta que me ajudou muito a treinar. Ele era exatamente do mesmo nível que o meu na água. E era engraçado porque a gente se cansava junto. No dia que um tava cansado, o outro também estava. Nessa época, foi bom porque era uma equipe grande. Mas depois no Corinthians, eu treinei praticamente sozinha. Os meninos eram muito mais fortes. Treinar sozinha junto com a equipe, ou treinar sozinha sozinha, é a mesma coisa.

    Londres 2012
    A seletiva foi em Shangai, no Mundial no ano anterior. Eu fiquei em 6º. Lembro que água estava muito quente: 31 graus. A cada ano que passa, o nível aumenta. Apesar de não ter pego medalha, foi um alívio, porque era uma seletiva. A gente só tem uma prova, uma única chance de classificar. E pode acontecer… a Ana se sentiu mal e não classificou. É muito tenso. Você pega 4 anos da sua vida e joga no lixo. É difícil pra gente o formato que encontraram para seletiva. Na natação, por exemplo, aqui no Brasil, tem várias seletivas.

    Ana Marcela Cunha
    É muito bom ter a Ana Marcela. Acho que uma ajuda a outra. A nossa rivalidade é super sadia, a gente se dá super bem fora dágua, uma ajuda a outra. Ter sempre uma pessoa ali no seu pé, no seu cangote, é muito bom. Aquele dia que você está com aquela preguicinha, você pensa: ela está lá treinando, tenho que treinar também. A gente sabe que nunca pode deixar a bola cair, porque tem alguém ali, querendo ganhar. Hoje, sou campeã mundial e ela vice. Ela quer ganhar de mim, e a tercera quer ganhar de nós duas. E acho que isso é bom, pras duas.

     

    Foto: Satiro Sodré/SSPress

    Foto: Satiro Sodré/SSPress

    Voltando à Londres…
    É difícil falar. Primeiro, eu mudei toda minha vida. Fomos pro Rio de Janeiro, pensando em ter mais estrutura. A gente foi pensando em melhorar, evoluir em tudo. Mas não foi bem assim. A gente foi pensando que estava fazendo a coisa certa. A sala do Complexo do Maria Lenk é muito boa, a piscina nem se fala. Mas a gente nao se sentiu muito bem por lá. Minha família toda estava aqui em São Paulo. Sou muito famíia, então senti muita falta. Mas estávamos treinado para as Olimpíadas, mais nada importava. Fizemos tudo. Eu estava super bem preparada, ótima forma, estava como nunca antes.

    Aí cheguei lá e água estava fria, muito fria. Pode acontecer, é Maratonas Aquáticas.

    Eu saí da prova péssima. Pra mim não tem essa de “tô mal, vou sair”. Eu tenho que estar morrendo pra sair. Eu cheguei em um ponto, que eu não sabia mais se era sonho ou realidade. Me assustei quando minha mão começou a formigar, não sentia meu lábio, nem meus pés. Quando comecei a perder a consciência foi quando pensei “tem algo errado”.

    Demoraram muito para me socorrer. No trajeto do barco até o pronto-socorro, eu simplesmente apaguei, não me lembro de nada. Quando você tá em choque, você fica alerta. Mas quando você que está protegida, daí então você relaxa.

    Eu acordei no pronto-socorro, o Ricardo estava desesperado. Eu só conseguira pensar na minha mãe, porque ela devia estar em casa aflita assistindo tudo isso. Quando eu acordei, a primeira coisa que falei foi pedir que o Ricardo ligasse para ela.

    Quando treinamos, pensamos que pode vir a vitória e a derrota. Mas nunca no meu treinamento pensei que isso fosse acontecer. Isso me baqueou demais. Foi a pior coisa pra mim. Se eu tivesse chegado em 20º, não ficaria tão mal como eu fiquei.

    Londres 2012: momento mais difícil da carreira

    Londres 2012: momento mais difícil da carreira

    Então, foi complicado demais sair dessa situação e voltar a treinar normalmente. Porque eu dei tudo de mim para essa preparação olímpica. A frustração foi muito grande. E abrimos mão de muita coisa na nossa vida. Não posso dizer que algo não deu certo. Simplesmente, deu tudo errado. Daí começamos a se perguntar se tudo isso vale realmente a pena: ficar longe da família, não ter feriado. Minha vida toda me abdicando, dando todo o meu suor. Não tenho vida social, é sacrificante. Será que vale a pena?

    Fiquei um tempo pensando sobre isso. Será que volto? Será que não volto? O Ricardo deixou a decisão comigo. “Nossa meta era até Londres. Agora, se você quiser seguir até a próxima Olimpíada, você que sabe”.

    O retorno
    Fiquei 2 meses bem relaxada, deixei rolar. Não quis me obrigar a nada, eu ia treinar porque eu gostava. Só que eu sou uma pessoa que se for para fazer, tem que ser bem feito. Não consigo fazer por fazer. Nadar por nadar. Não consigo chegar aqui e nadar 2 mil. Então, chegou uma hora que eu pensei: “Pô, eu gosto de nadar. O que mais na minha vida, eu gostaria de fazer e faria com esse mesmo amor?” Foi aí que decidi: “Vamos fazer e fazer bem feito. Vamos tentar mais uma.”

    Então, comecei a treinar sério. Começou o Circuito Mundial em 2013, e comecei muito mal a primeira etapa, que era seletiva para o Mundial de Barcelona, mas mesmo assim me classifiquei.

    Na segunda etapa, na Argentina, tive uma intoxicação um dia antes da prova e não competi. Nuvenzinha preta.

    “Não é possível, o que Deus quer mostrar para mim?”
    “Você está classificada pro Mundial, vamos tentar. Faz seu melhor que para mim está bom.”

    Aí a gente vai plantando, plantando… Chegou no Maria Lenk, eu quase bati o recorde brasileiro. E a prova dos 1500 foi muito melhor em relação aos 800 e aos 400. Os 400, então, foi uma desgraça. E aí foi que o Ricardo falou: “Tá faltando força em você, vamos tentar mudar algo nisso” Por isso que ainda é bom eu competir em piscina, porque podemos avaliar.

    O Ricardo decidiu, a partir daí, mudar minha preparação física. Eu nunca tinha feito treinamento funcional e comecei a fazer. Em um mês, já comecei a sentir muita diferença. E aí chegou o Mundial. O interessante é que de Viedma (quando não competi por intoxicação) até Barcelona, eu não competi nenhuma Maratona, só nadei algumas provinhas aqui.

    No Mundial, foi um sonho realizado. A volta por cima, a redenção. E um detalhe: antes da prova dos 5km, dois dias antes, eu tive novamente uma intoxicação alimentar. A minha cabeça foi pro espaço. “Que que eu vou fazer? Se eu não conseguir competir aqui, vou parar de nadar. Deus está querendo me mostrar que não é isso.” Mas mesmo mal, a gente tenta se enganar, “vai dar tudo certo”. Treinei tanto pra isso, fiz 200×100. Então eu estava confiante, mesmo assim.

    No dia da prova, eu estava ainda um pouco fraca, mas fui lá e ganhei a prata, e na batida de mão. Aquilo já me tirou um peso enorme das costas. Tudo o que eu vinha treinando, tanto para Londres, como para Barcelona, tinha finalmente dado resultado. Então, fui muito leve para os 10km.

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    E daí veio o ouro. Foi para lavar minha alma, ainda mais por ser prova olímpica, depois de Londres, foi simplesmente sensacional. Era tudo o que eu precisava. E ainda por cima teve o revezamento, eu saí de lá andando nas nuvens. Foi incrível!

    Fotos: Satiro Sodré/SSPress

    Fotos: Satiro Sodré/SSPress

    200×100
    Foi o pior treino da minha vida. Mas foi aquela fase de plantar. Vamos plantar e ver se a gente consegue colher na frente.

    “Era uma fase que todo treino era um teste. Nem todo treino a gente dá o melhor. Você está em dúvida se é capaz? Então quero fazer um treino para você ter certeza de que é sim capaz.”
    A gente sempre fazia 100×100. Todo ano, fazia umas duas ou três vezes.
    “Vamos fazer o dobro”

    Acabou que fiz uma série muito boa, fechando os três últimos para 1’04’’.

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    Aposentadoria em 2016?
    Eu nao quero colocar uma data especifica: “31 de dezembro vou parar”. Eu vou ver, vou deixar rolar.

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