Já era esperado, mas eu sempre fico triste: Rebecca Soni é a nova aposentada da natação mundial. Bicampeã olímpica do 200 peito, prova em que foi a primeira mulher da história a superar a barreira dos 2’20, Soni foi uma das maiores nadadoras de peito da história. Nem precisa falar muito: seis medalhas olímpicas, sendo três de ouro, bicampeã mundial do 100 peito, seis medalhas de Mundiais.
O momento mais marcante de Soni para mim foi sua participação em Londres, uma “lição” em vários sentidos. Resumindo a história, ela chegou aos Jogos Olímpicos como campeã mundial das duas provas de peito e favorita absoluta ao ouro. No 100, que aconteceu primeiro, viu Ruta Meilutyte, então uma garota desconhecida de 15 anos, crescer das eliminatórias até a final e vencer. Não deve ter sido fácil: ela não fez seu melhor tempo, e deve ter sido difícil se ver perdendo para alguém que ela provavelmente nem conhecia e foi uma das maiores surpresas não somente da natação, mas de toda Olimpíada 2012.
Poucos dias depois, ela voltou à piscina para nadar o 200 peito, sua principal prova. A força mental para passar de uma frustração como essa do 100 peito e focar na próxima prova não é nem um pouco trivial – não somente no esporte como na vida. É preciso muito foco para deixar para trás o que passou e se concentrar na próxima prova, sem se abater e sem esquecer que Olimpíada é uma chance quase única – uma a cada quatro anos. Quantos atletas não deixam oportunidades escapar depois de nadar mal a primeira prova?
Na semifinal, Soni nadou para 2’20”00. E para entender o que significava esse tempo naquele momento, vale ler o que a nadadora falou hoje, no dia de sua aposentadoria, em entrevista ao Swimming World:
“Eu continuo voltando [a mencionar] os 2’20 não só porque foi incrível, mas pelo fato de que eu pensava nisso há quase 10 anos. Foi isso que me manteve nadando depois de Pequim-2008. Eu estava perto , mas eu tive que colocar mais quatro anos na água.Foi isso que me fez ir treinar todos os dias. Foi um momento incrível.
Esse foi o meu sonho e objetivo. Eu me lembro de, na semifinal, fazer 2’20”00, e eu tive aquele momento em que eu pensei que aquele ia ser o meu legado – que eu quase consegui”.
Não só Soni colocou para trás o que havia acontecido no 100 peito, como fez a prova de sua vida, de um jeito bem de “livro” mesmo como ela falou: bateu na trave na semifinal, e na final foi perfeita. Foi sua última prova individual da vida, realizando um sonho. Veja a reação dela após olhar o placar (a segunda foto é uma das minhas preferidas desses Jogos):


Ainda na entrevista de hoje para a Swimming World:
“Ainda me lembro da conversa específica sobre o 2’20. Foi durante uma competição, eu fui falar com meu treinador de categoria do Scarlet, Tom Speedling , e ele estava olhando para mim. Eu queria saber o que tinha feito errado, acho que tinha acabado de fazer 2’45. Ele só olhou para mim e disse: “Você vai ser a primeira mulher a nadar abaixo de 2’20″. Isso nem estava na minha perspectiva na época, mas ele falou tão sério, e realmente acreditando naquilo, que ele plantou essa semente na minha cabeça. Isso me faz pensar no que teria acontecido se a conversa não tivesse acontecido. Eu não pensei muito sobre aquilo imediatamente, mas continuei voltando para isso, e se tornou parte de mim e meu objetivo. Eu ficava pensando que ele acreditava em mim e tinha colocado a idéia na minha cabeça. Acho que eu não seria a pessoa que sou hoje se que aquela uma frase não tivesse sido dito para mim quando eu tinha 14 ou 15 anos”.
Gosto muito de atletas que valorizam seus técnicos da base e esse depoimento é genial: tanto para dar a dimensão da importância de um técnico da vida de um atleta, como para mostrar o tamanho de um sonho. As Olimpíadas duram uma semana e o que vemos na TV são os atletas entrando na área da piscina, sendo apresentados e nadando, mas um resultado como esse ouro é construído ao longo de uma vida inteira. Por isso o esporte é tão legal.
Para terminar, não consegui entender direito ainda o que será essa “empresa” criada pela Soni e Kukors, anunciada no mesmo dia da aposentadoria. Mas destaco aqui uma parte do depoimento, em que ela fala sobre uma das ideias que as duas ex-nadadoras tem para ajudar a passar suas experiências de nadadoras para crianças. “Nós só queremos visitar e dizer oi para as crianças e deixá-las envolvidas e motivadas. No fim do dia, queremos que elas amem natação”. Acho que essa é a filosofia que deve nortear a natação para crianças – se você conseguir amar natação, com o tempo (e um bom técnico), vai aprender a ter disciplina, determinação e persistência para perseguir seu sonho. Mas tudo começa com o amor pelo esporte.
A entrevista completa pode ser lida aqui.
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